9.5.17

O triste fim de Simão Bolívar


Hoje (não só hoje, mas sobretudo depois do início do 'chavismo' na Venezuela), Simão Bolívar tornou-se um ícone de revolução nacionalista, libertária, socialista e mais alguns adjetivos. 

Na verdade, no seu tempo, ele foi um libertador e um opressor. 

A visão que tinha de uma América Latina unida e federada, parecendo de uma extraordinária grandeza (pela extensão territorial...), era a continuação de um sonho colonial, o de manter uma hegemonia hispanófona unindo colónias e nações dispersas e, mesmo, opostas. Tomá-lo, portanto, como símbolo do nacionalista e nativista que nele via Chávez é abusivo. É uma verdade que se ressentiu, em certos momentos, da sua condição de mestizo, mas a sua visão política das ex-colónias era a continuação de um sonho colonial (como, em África, o do "mapa cor-de-rosa"). O projeto da Gran Colômbia teve essa origem e foi modelado pela imitação dos EUA...

O seu percurso foi o de um caudillo militar e político, tendencialmente ditatorial, autocrata, eliminando ou neutralizando, sempre que possível, os que se opunham a ele e, sobretudo, quando se opunham em nome da liberdade. Foi, nesse aspeto, o pai dos ditadores latino-americanos, tanto de esquerda quanto de direita, tanto militares quanto civis. 

Parte da América Latina lhe deve um grande esforço no sentido da sua libertação, da independência face à Espanha. Mas, como aconteceria desde então até hoje, na América Latina tanto quanto em África e, mesmo, na maioria dos países asiáticos colonizados por europeus, o libertador imediatamente se tornou o opressor. O seu 'socialismo' tinha mais relação com a eliminação de possíveis concorrentes e opositores poderosos do que com as preocupações sociais com as condições de vida do povo. 

Por isso tudo, acabou isolado politicamente, num autêntico fiasco preparado sem querer pelo excesso de voluntarismo. Em 1828 houve um atentado contra ele, na sequência de se declarar ditador da Colômbia. A 8 de Maio de 1830, viu-se constrangido a abandonar Bogotá e planeou uma viagem à Europa como escape. Não uma viagem para alguma zona interiorana, para montanhas onde vivessem só 'nativos', por exemplo, mas uma viagem à Europa, talvez por se recordar de outra que lhe daria um grande empurrão (ideológico e de capital de prestígio) para ser quem foi. Porém, a viagem foi interrompida logo no início pela notícia do assassinato de Sucre, génio militar e político nascido na Venezuela, seu fidelíssimo aliado, que comandou a batalha decisiva para determinar o fim do domínio espanhol (Ayachucho, Perú, 1824) e foi o primeiro presidente da Bolívia. Sucre é um outro exemplo desta mescla de lideranças militares e políticas espanholas e crioulas a serviço de Espanha, descendendo de uma família patrícia dominante no tempo colonial. O seu pai foi militar de prestígio, na linha de outros antepassados, ao serviço da Coroa, mas tomou desde cedo o partido da independência, como o filho. Enquanto presidente da Bolívia teve, mais do que o seu capo, reais preocupações de modernização social e, portanto, alteração da rígida hierarquia dos tempos coloniais. Acabou derrotado por divergências internas e pela pressão militar dos peruanos que não queriam a independência da Bolívia. Retirou-se, casou-se com uma senhora da melhor sociedade da época e decidiu abandonar definitivamente a vida pública. Mas, quando Bolívar sofreu o atentado na sequência de se declarar Ditador de Colombia, voltou atrás e foi socorrer o chefe. Acabou defendendo um diálogo impossível, até ao ponto de propor que nenhum líder militar da libertação pudesse presidir a cada uma das futuras (ainda não para ele) nações. Os intentos fracassaram, muito por culpa da Venezuela, precisamente e, tendo dado conta de tudo em Bogotá, resolveu retirar-se para junto da esposa. Mas foi assassinado no caminho. 

Bolívar, derrotado e sozinho, tinha de partir, o que chegou a fazer. Interrompida a viagem, um Almirante espanhol o recolheu e manteve em sua casa até ele morrer, ainda 1830, com tuberculose. 

Esse foi o triste fim de Simão Bolívar, o primeiro dos ditadores latino-americanos.

 





5.5.17

Eleições francesas

Marine Le Pen, como Donald Trump, não é nem nacionalista, nem patriótica, muito menos de 'extrema-direita' ou, ainda menos, de uma linha católica da 'extrema-direita'. O seu perfil e o seu comportamento não demonstram isso: aceita os dinheiros de Putin, imita Donald Trump e o pretende imitar o 'brexit' usando igualmente a formação da palavra inglesa, não respeita a personalidade e a propriedade intelectuais, entra em esquemas típicos da partidocracia para financiar-se. Para além disso, é uma líder de arruaça, sem qualquer preparação para governar, sem experiência política, administrativa ou de gestão, sem conhecimento suficiente dos principais problemas e dossiers - mesmo os que sempre aborda, como o da emigração. Como diz o Libération, feroz por fora e fraca por dentro.

Marine Le Pen é o tipo de candidato que Putin prefere e, como se vê pelos EUA, ele acertou: enquanto Trump aprende, com trapalhada atrás de trapalhada, o que implica ser presidente, a Rússia e a China somam pontos interna e externamente, sobretudo no exterior, onde mais falta lhes faz e jeito lhes dá, porque o interior está controlado.

Putin e Erdogan são ditadores que se preocupam, pelo menos, em consolidar uma imagem de competência (competência total no controlo da sociedade, competência política suficiente, prudência económica ainda que sacrificada à criação e manutenção de espaços vitais), assentam a sua legitimação sobre discursos firmes, irredutíveis e seguros sem se radicalizarem (sobretudo Putin, o mestre dos novos ditadores, evitando competentemente os exageros discursivos infantis de Erdogan quando comicia entre os seus). Associam ao perfil público de competência e de segurança, o respeito pela propriedade, que é fundamental para afastar temores comuns e justificados da mais persistente das características do homem social: a ambição. Isso os põe, também, de acordo com tradições que, no fundo, não respeitam (mostrá-lo-ão se elas puserem em causa o seu poder), mas para as quais a propriedade é uma extensão natural e social da personalidade.

Le Pen e Trump são candidatos fracos quanto às suas competências, com aproveitamentos abusivos da sua posição política e da política de subsídios (caso de Le Pen), ou envolvimentos em falências fraudulentas e fugas aos impostos (caso de Trump), ambos imorais apesar de se firmarem sobre um mercado eleitoral que privilegia, aparentemente, a moralidade, ambos fáceis de manipular sob ameaças de revelações fatais. O que lhes importa é chegar ao poder de qualquer maneira e manterem-se no poder custe o que custar, pelo resto não nutrem o menor respeito (veja-se o caso do plágio de Le Pen: se ser de direita e católica é defender a pessoa sobre a sociedade, o pessoal sobre o coletivo e o individual, como pode, não só plagiar, apropriar-se indevidamente do discurso de outro, mas admitir a si própria não serem suas palavras as que dirige ao seu eleitorado?).

A que se deve a ascensão destes simulacros de políticos nacionalistas? A presente situação francesa deriva de anos de irresponsabilidade e de insensibilidade políticas, cujo máximo foi atingido pelo ainda presidente, que só tinha 10% das intenções de voto caso se candidatasse. Há muitos anos, depois do último grande sucesso do Front national e do seu chefe Jean-Marie, a partidocracia francesa redistribuiu o mapa eleitoral de forma a partir em dois (ou mais) cada círculo que tivesse votado maioritariamente em Le Pen e no FN. Isso criou-lhes uma sensação de segurança, confiança, calma e os primeiros resultados depois da nova divisão administrativa confirmaram-na. O que foi feito desde então para resolver os problemas, sobretudo os problemas dos mais desfavorecidos, que os fizeram votar FN e Le Pen? O problema da emigração, o da segurança e o do emprego - o trio que mais votos traz a Marine e ao FN - não só não se resolveram como também aumentaram e os políticos habituais, embora inscrevessem o tema nos seus discursos, em muito pouco revelaram maior sensibilidade ao problema e às queixas da população, seus temores e dissabores relacionados com uma imigração excessiva, descontrolada ou de controlos subvertidos, o desemprego com o qual ela é relacionada e questões adjacentes mas importantes, como a da segurança social e a da saúde pública (o aumento dos seus cargos é visto como resultante da facilidade com que os imigrantes acedem aos seus benefícios e à própria nacionalidade), o aumento da idade para a reforma (que seria também consequência do aumento de reformados por causa da imigração), a própria identidade francesa (pois, ao conceder tão facilmente a nacionalidade se daria a pessoas mal integradas o direito de participarem da definição de uma identidade na qual não se integraram). Tão pouco a segurança foi afinada ao ponto a que tem de ser, e melhorada, antes dos grandes atentados de que a França foi vítima (perpetrados, em quase todos os casos, por cidadão franceses e europeus - pelo que a política de expulsão de Le Pen, como a de Trump nos EUA, não evitaria qualquer perigo).

É desta contínua insensibilidade de políticos abastados e contentes com o seu bem-estar, em muito baseado no aproveitamento máximo de recursos (nem sempre legítimos) que o Estado lhes faculta, é contra tal insensibilidade aos seus problemas diários, crónicos e mais agudos que se farta uma grossa fatia da população, dirigindo os seus votos para o FN, como nos EUA com Trump. E não será mera coincidência que a maioria das ações de campanha do demagogo Mélenchon não tenham dado a devida atenção aos subúrbios, aos bairros pobres e aos operários. Como a campanha de Bernie Sanders nos EUA, a de Mélenchon não tem o seu principal sustentáculo no setor social onde pretensamente assenta a sua legitimação retórica e ideológica: 'pobres' em geral, desprotegidos, desempregados, operariado. São bem mais importantes pessoas de alguma forma integradas na média burguesia (e alguns filhos de outra já não tão média), muitos órfãos do radicalismo esquerdista dos anos 60-70 e do Maio de 1968 com seus filhinhos bem nutridos e uma infinidade de pequenos grupos afins. O operariado, os desempregados e um estrito setor radical da elite francesa  (de Bardot a Tapie), incluindo muitas aquisições recentes, essa amálgama paradoxal é que faz, até hoje, a base principal do apoio do FN. Por um motivo simples e que se prende com a estratégia retórica seguida: privilegiar no discurso político os temas que os políticos 'corretos' evitam tratar com frontalidade e, simultaneamente, jogar com soluções simples, eficazes na aparência, mesmo que não resistam a mais do que uma breve e distraída conversa de café.

Sendo este o cenário, facilmente um bom aluno como Macron mostraria a sua superioridade perante uma guerrilheira de RGA's e shows de café como Marine Le Pen. Por imprudência, inexperiência partidária, no princípio da segunda volta fiava-se demais na vitória, mas retornou à realidade e respondeu razoavelmente. Marine ficou 'desmontada', 'desconstruída' e não tinha capacidade para reagir à marcação cerrada do seu adversário.

O problema maior agora, para o futuro da França, não é se Macron ganha e a elite anafada, bem comportadinha, continua a alienar-se com o seu bem-estar artifical e separado do resto da sociedade. Parece bastante provável que Macron vença, apesar das irresponsabilidade de Mélenchon e de alguns setores de Os Republicanos que sofrem de amnésia histórica.

O problema que se põe, como levanta e muito bem o artigo abaixo (seguir hiperligação), o problema sério e difícil é o da governação posterior a tal vitória. O controlo da governação ficará nas mãos dos mesmos partidos que falharam todos estes anos e não conseguiram renovar-se com sucesso. Macron terá, por limitação constitucional, de submeter-se às velhas estratégias partidárias e de satisfazer o seu bem-estar de sanguessuga, não incomodar e muito menos exterminando a sua insensibilidade característica. Os problemas continuarão a avolumar-se. E, mais uma vez, é bastante provável que única força que saiba encarnar retoricamente as queixas da população desfavorecida pelo sistema continue a ser o Front national. Se este, por sua vez, souber organizar a sucessão de Marine...

The Trouble for France's Next President | Foreign Affairs:

'via Blog this'

1.5.17

para que serviu o 1.º de maio em Cuba


1961.05.01: 
No seu discurso do 1.º de Maio, Fidel Castro anunciava que não haveria mais eleições em Cuba. Os trabalhadores estavam livres.

24.4.17

O lado (ainda) oculto de Mélenchon



Apesar dos elogios ao Chavismo e outros regimes ditatoriais, ainda muita gente não percebe o que significa Mélenchon na política francesa: uma ditadura marxista, imposta a partir de estruturas paralelas ao Estado até controlar completamente o Estado - uma estratégia semelhante à de muitos islamitas fundamentalistas, que a praticaram, por exemplo, no Egito. 


Esta notícia (v. abaixo e ler até ao fim), conjugada com a dificuldade que o candidato revela em reconhecer um resultado desfavorável (a mesma que teve López Obrador no México), mostra o verdadeiro rosto da 'França insubmissa' que havia de ser submetida por ele. Manifestações de rua turbulentas para sustentarem uma rejeição dos resultados, isto apesar de ninguém mais os pôr em causa, nem mesmo os restantes inimigos da democracia francesa. Agora (dias depois da primeira mensagem que pus aqui), reafirmação, por ele e nas redes sociais, da opção de 'terra queimada': não votaram em nós, também não votamos contra a Frente Nacional. Não é bem uma 'birra', é uma estratégia perigosa, que não admite qualquer outra alternativa a não ser a sua, mesmo que para isso contribua para uma radicalização antidemocrática pela direita. 

Ou seja: Mélenchon é, somente, mais um populista de esquerda e mais um golpista, que a inépcia dos políticos do sistema sustentou até aos 19,2% (mas, mesmo assim, só até aí e por causa da falta de carisma e de estratégia de B. Hamon). Não creio que Frente Nacional seja pior do que ele. De resto, estará mais limitada (porque já depara com desconfianças fortes à partida) e ambos possuem vários pontos em comum. A família Le Pen apenas foi mais rápida, por isso desde cedo aproveitou a incompetência dos políticos 'neutros', bem comportados, para atrair a classe operária. Mélenchon baseou-se mais nos intelectuais de esquerda e em jovens inexperientes, só mais tarde começou a atrair operários, os 'sem dentes', como lhes chamava o atual presidente de França. Se Macron fosse um político mais experiente já teria desmontado a retórica de Mélenchon e de vários dos seus seguidores, acolhendo os outros, os que, mesmo assim, votarão nele. 

Mas o que mais interessa reter dessa história é a postura do candidato: de esquerda, ou contra autocratas de direita, só ele, não admite que mais alguém possa protagonizar, seja em que situação for, a oposição a Marine Le Pen. Interessa porque isso o denuncia: também no poder, o candidato só se imagina a si próprio como representando uma verdadeira alternativa e, portanto, não admite mais nada, nem mais ninguém. É o prelúdio do poder absoluto e da autocracia de esquerda, do tipo da dos irmãos Castro, da família Ortega, do 'socialismo do século XXI', do socio-nazismo de Malema na RSA, da ala autocrática do PT e, mais remotamente, da família real da Coreia do Norte. 



Rivais históricos na França se unem contra Marine Le Pen no 2º turno - 24/04/2017 - Mundo - Folha de S.Paulo:



'via Blog this'

Trump com impopularidade histórica



Não admira a notícia (v. abaixo). Um Presidente eleito por minoria de votos (um paradoxo antidemocrático, no qual os EUA terão de pensar mesmo) que, em vez de consensualizar para seduzir e se tornar maioritário, exacerba, divide o seu próprio partido, empertiga-se todo e procura 'cumprir' as 'promessas', só podia ver diminuída a minoria que o sustentou. Ainda para mais sendo um desajeitado político - nada surpreendente quando se elege um outsider



Casa Branca - Trump com impopularidade histórica:



'via Blog this'

17.4.17

Referendo na Turquia aprova ampliação de poderes de Erdogan

Referendo na Turquia aprova ampliação de poderes de Erdogan - 16/04/2017 - Mundo - Folha de S.Paulo: "Em discurso, ele disse que o resultado consolida "a unidade, fraternidade e harmonia entre os cidadãos" e pediu que a comunidade internacional respeite o voto."



Levando em conta que Erdogan amordaçou a imprensa privada livre, reatou a guerra com os curdos (ainda antes das últimas eleições) e conotou a oposição com esses 'terroristas', perseguiu todos os inimigos e rivais desde o famoso 'golpe de Estado', podemos dizer que o referendo se realizou em ditadura e, portanto, não é válido.



O estranho é que, apesar de todo esse controlo, apesar de trazer o seu país amordaçado, o ditador só tivesse conseguido pouco mais de 51% de votos (cerca de 51,3). Mais estranho ainda é que, vencendo nessas circunstâncias e por essa margem, profira a frase posta acima. Se uma decisão que afetará todos e gerações futuras também é tomada só por metade dos votantes e nas condições asfixiantes em que votaram, como é que isso concorre para "a unidade, fraternidade e harmonia entre os cidadãos"? Só se ele quer dizer que, se perdesse, fazia guerra...

Não é muito diferente a interpretação do Le monde:


'via Blog this'

10.4.17

Alabama governor to resign amid sex scandal



Como se vê, este Partido Republicano, com Tea party e populistas, é mais um simulacro, próprio de países dominados por programas de TV e outras realidades virtuais. O verdadeiro drama está em levá-los a sério e, sobretudo, votar neles. O que podia ser normal em qualquer casal é inadmissível num governador que se apresenta em nome dos velhos valores, entre eles o da monogamia e o do 'amor para toda a vida', dentro da instituição casamento. Com a mesma leviandade se votou, quase maioritariamente, num Presidente que hesita entre provocar uma 3.ª guerra mundial ou instaurar uma ditadura interna, mas seguirá, certamente, o que lhe trouxer mais popularidade. A popularidade é uma das ferrugens da democracia.



Source: Alabama governor to resign amid sex scandal | TheHill:



'via Blog this'

24.3.17

Maduro cada vez mais podre


O regime venezuelano está cada vez mais desmascarado e isolado. Cada vez mais, também, caem no ridículo posições como a de Jean-Luc Mélenchon e a do Podemos defendendo que o regime chavista é democrático, livre e até, quem diria, defende os interesses do povo:

http://www.lemonde.fr/ameriques/article/2017/03/24/l-appel-de-quatorze-pays-americains-au-venezuela_5099904_3222.html 

Não dá para continuar a acreditar que são só manobras do velho fantasma - o imperialismo. Mesmo apesar de Trump. 

14.3.17

Europe : les entreprises peuvent interdire le voile sous conditions



Como é óbvio, para países livres, as empresas podem, sem ofender nem humilhar, impor vestuário próprio.



Europe : les entreprises peuvent interdire le voile sous conditions:



'via Blog this'

Tensions avec les Pays-Bas : Ankara veut saisir la Cour européenne des droits de l’homme



Haja retórica!

Sintomático ter logo aproveitado, o governo turco, para sair do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Já daí queriam sair há muito tempo, com medo de serem réus por causa dos curdos e da repressão à intentona.

Mas a Europa continua, parece, com pouca iniciativa, ou com iniciativas pouco ousadas. Por exemplo, podia deixar os ministros turcos irem fazer campanha desde que os ministros europeus pudessem ir à Turquia também fazer campanhas idênticas, ou conferências (promovidas por europeus) e comícios sobre a Síria e a importância da solução do problema curdo na solução da crise na Síria e, consequentemente, na redução do problema dos refugiados na Europa. De resto, se a Turquia deixa entrar os refugiados sem ninguém a ter obrigado, devia resolver o problema que assim criou. Porque ameaça, então, obrigar a União Europeia a deixá-los também entrar? Erdogan reconhece que a Turquia não é um país apetecível para refugiados? Ou que a Turquia, de facto, nunca vai nunca integrá-los, como não integrou os gregos que lá viviam, no tempo de outro ditador? O jogo dos ditadores é sempre jogo baixo.



Tensions avec les Pays-Bas : Ankara veut saisir la Cour européenne des droits de l’homme:



'via Blog this'

13.3.17

Falso heroi


Erdogan, cada vez mais o ditador da Turquia, não faz campanha junto aos turcos da Rússia, mas acusa a Europa democrática - onde moram, por opção, milhares de turcos - de nazismo por não deixar que os seus países se transformem num espaço público do Ditador. Imaginem a Turquia a permitir aos Sírios manifestarem-se a favor de El-Assad no seu território...


19.2.17

socialistas - até onde?



A propósito de algumas discussões que se reacendem de quando em quando, lembrei-me do ano de 1921 (e de alguns outros): 

1) URSS - A Estónia recuperou a autonomia, que manteve até 1940 (em 1939 o Pacto Germano-Soviético decide a sua anexação pela URSS; uma aliança que, justamente em 1921, se verificara na China, onde Sun Yat-Sen iniciou a colaboração do KMT com o PCC).

2) 35 fascistas são eleitos nas listas dos ‘blocos nacionais’, favoritos do velho chefe socialista Giolitt. Partilhavam o mesmo berço... Já em 1912 Mussolini, no Congresso de Régio Emília, provocara a expulsão de vários militantes de peso do Partido Socialista. Entrou como diretor do Avanti! nesse ano e ficou no cargo até 1914, ano da sua expulsão (o jornal era o órgão do PSI) por divergências internas. Regressando ao ano decisivo de 1921, em Novembro os fascistas organizaram o Congresso de Roma: contavam 310.000 inscritos, dos quais 22.418 operários da indústria e 36.847 camponeses; o movimento transformou-se em partido e nunca mais parou até à tomada do poder.

3) No ano anterior (1920.02.24), Adolf Hitler, com um discurso inflamado, lera o seu programa ao Partido Operário Alemão e formalizara, em Abril, o Partido Operário Nacional-Socialista Alemão. 

4) Sobre as relações entre anarquistas e marxistas: depois da ruptura com os marxistas, em Haia (no V Congresso da Internacional), em 1872, os bakuninistas são banidos da organização e iniciam os seus próprios congressos. Em 1921, os anarquistas Emma Goldman e Alexander Berkman fogem da Rússia bolchevique para Londres, acossados pela polícia política do Kremlin e, em particular, pelo grande chefe do Exército Vermelho, Trotsky, supremo comandante e criador do exército soviético, depois de este ordenar o massacre dos marinheiros russos amotinados (em greve) na base de Kronstadt (mar Báltico, na Ucrânia). 

E, por agora, intervalo: vou assistir a mais umas trumpalhadas com a rede básica putinesca por baixo das fraldas do novo presidente, não eleito, dos EUA (o último não eleito foi George Bush, filho; lembram-se? Fez a guerra do Iraque provocando um problema que veio até hoje mas, pelo menos, era político; os não eleitos tendem, pelos vistos, a grandes níveis de insegurança que os levam a afirmar-se brutalmente).




29.12.16

Israël : la diplomatie américaine insiste sur la nécessité d’une solution à deux Etats


Não me parece tanto uma birra quanto um recado para Trump: o caminho da paz não passa pelos assentamentos, prejudiciais até para Israel num futuro próximo. Esse erro de Bibi (Netanyahu) tem sido um dos fatores de enfraquecimento da posição israelita a nível internacional e, para dentro, um desgaste inútil de recursos, colocando judeus em minoria e em situação de fragilidade num território que, segundo a legislação internacional, não pertence a Israel.

Israël : la diplomatie américaine insiste sur la nécessité d’une solution à deux Etats:

'via Blog this'

Le procès de l’auteure Asli Erdogan, emblématique de la Turquie de l’après-putsch


Erdogan segue o seu caminho para a ditadura sem apelo nem agravo e, cada vez mais, com apoio russo (já terão mesmo dividido os proventos e despojos da Síria pelos dois). A OTAN precisa refazer-se rapidamente levando em conta os últimos desenvolvimentos e afirmar-se, cada vez mais e com maior clareza, como braço militar para a defesa da democracia.


Le procès de l’auteure Asli Erdogan, emblématique de la Turquie de l’après-putsch:

'via Blog this'

21.12.16

Os novos escroques


O que resta do 'socialismo do século XXI' - uma fórmula atrasada para aplicação de totalitarismos de esquerda na América Latina - revela cada vez mais claramente a sua faceta antidemocrática: na Bolívia, depois de um referendo rejeitando, na prática, a recandidatura de Evo Morales, o ditador reúne o seu partido e apresenta-se como candidato oficial à reeleição; na Venezuela, que o socialismo totalitário pôs completamente de rastos ainda no tempo de Hugo Chávez, um referendo convocado constitucionalmente, após eleições perdidas pelo presidente, foi simplesmente inviabilizado por Maduro para eternizar o seu poder à frente do Estado.

Os novos ditadores - que a imprensa anglófona chama, por eufemismo, 'personalistas' e que não passam de populistas legitimando-se por um nacionalismo folclórico - dão-se na prática por aliados estratégicos do 'socialismo do século XXI', bem como de muitas ditaduras islâmicas. A China, que não quer ser apenas o velho tigre de papel, ensinou-lhes a lição há muito (aliás, denunciada por Viriato da Cruz ainda antes da independência de Angola): não importa quem manda, importa quanto custa e quanto se ganha. Estes países, quase todos derivando de regimes aparentemente socialistas e realmente de partido único, viram seus heróis combaterem o imperialismo dos EUA denunciando justamente essa falta de princípios morais e de coerência democrática na política. O melhor exemplo disso hoje é o velho Mugabe, candidatando-se, mais uma vez, à própria sucessão com 92 anos de idade e um país esfarrapado, em total descrédito e sem qualquer rumo.

Perante os factos, a defesa do 'socialismo do século XXI', ou de qualquer outro anticapitalismo revolucionário, hoje, é mero anacronismo, cegueira, teimosia serôdia. Mas é prejudicial. Abençoar os bombardeamentos sobre Alepo porque 'os outros' também bombardeam, como dantes se abençoavam os regimes de partido único só porque nos iriam libertar do 'capitalismo' que se aliava a ditaduras, contribui para a alienação geral das consciências democráticas.

É certo que Mobutu foi apoiado pelos EUA, como tantos outros. E, porém, quem dizia combater Mobutu, os EUA, o imperialismo, o neocolonialismo, etc., pôs lá um tal de Kabila, que foi buscar à Tanzânia entre copos de uísque e nos vendeu o herói dizendo que ele tinha conhecido Che Guevara, que o seguia e até que Che Guevara o achava o único zairense capaz de levar avante a verdadeira revolução. Como se Che Guevara, que executava e mandava executar sumariamente as suas vítimas, fosse exemplo de virtude política...

É certo que Mobutu foi um bandido: espoliou o seu povo, que morria de fome enquanto ele tinha fama de comer em talheres de ouro pronto a zarpar para qualquer lado. É certo que Mobutu, ao morrer, deixou um país inviável às mãos dos abutres. E, porém, vejam: o herói pretensamente guevarista morreu quando começava a fazer asneiras umas sobre as outras; o filho herdou-lhe o trono como se alguém tivesse investido a família como família monárquica; e agora o filho, dono da maioria das empresas significativas do Zaire, nem se preocupa com a lacuna constitucional, a ausência de Presidente e mandato legítimo segundo a Constituição vigente que ele próprio aprovou, não se preocupa com nada. Simplesmente nos diz: eu controlo, de facto, a situação, portanto não preciso nem de constituições. De resto, uma invenção 'ocidental', 'burguesa' e 'capitalista'...

Como percebeu desde cedo R. Aron (liberal de ascendência judaica), o momento que vivemos até há pouco tempo foi o de um grande intervalo democrático; as constantes ameaças à liberdade no mundo, associadas à fraqueza e à cegueira de muitos intelectuais 'ocidentais', iriam conduzir-nos a um estágio bem mais feio, realmente pós-liberal, pós-capitalista e pós-imperialista: o das nações governadas por títeres descarados, cuja principal arma é a do martelo ou da foice ou da catana sobre as cabeças das ainda sobreviventes democracias.


Sobre o Congo (com 'c' ou 'k' dá no mesmo) leia-se por exemplo a mais recente notícia da Reuters.

28.10.16

África do Sul vai abandonar Tribunal Penal Internacional


África do Sul vai abandonar Tribunal Penal Internacional - PÚBLICO: "A recusa sul-africana em deter Bashir foi já alvo de uma queixa apresentada nos tribunais sul-africanos. Em Março, a instância superior de recurso considerou a recusa “ilegal” e acusou o Governo sul-africano de ter adoptado uma “conduta escandalosa”. O processo seguiu para o Tribunal Constitucional, que se deveria pronunciar no próximo mês, mas o caso pode ficar agora em suspenso."



A África do Sul sai muito bem acompanhada: Nkurunziza, que pôs o Burundi a ferro e fogo para impor um terceiro mandato; por causa do ditador sudanês, que tem atrás de si sérias e comprovadas acusações de genocídio; a Gâmbia também, que é um exemplo de cleptocracia centrada numa só pessoa, que recorre ao islamismo para esconder os seus podres poderes: os do roubo. 


Realmente, já depois de ter sido apertado pela justiça do seu país, Jacob Zuma, corrupto como é e tendencialmente autoritário, tem que sair depressa de um sistema jurídico internacional dominado por países democráticos. Dominado por países democráticos e sem nenhum racismo, pois se o houvesse não teriam julgado sérvios, por exemplo. A oposição interna já o criticou e a passagem da notícia que citei explica melhor ainda a atitude face ao TPI. 


No entanto há cegos para tudo, há quem aplauda isto em nome da inquestionável autenticité africaine que, por sua vez e tirando Senghor, escamoteou os crimes de muitos outros ditadores. Não vamos muito longe, basta lembrarmo-nos de Mobutu, que aliás Senghor saudava como o grande Leopardo... 




'via Blog this'

1.10.16

The rise of American authoritarianism - Vox



Na sequência do comentário anterior, articulado ao propósito do artigo ali citado, vem este sobre o 'personalista' Trump - um tipo de candidato que antes se apresentava pessoalmente, fora do sistema bipartidário dos EUA, mas que, desta vez, tomou de assalto um dos Partidos do sistema:



The rise of American authoritarianism - Vox:



'via Blog this'

Os novos ditadores



Terminada a vigência das ideologias, tão perigosa quanto a dos fanatismos religiosos, para os novos ditadores se aplica, no artigo abaixo indicado, uma nomenclatura nova: personalistas. 



Acho o termo infeliz, na medida em que desvirtua uma filosofia nobre, filosofia política e não só, a do personalismo cristão. 



Mas é um facto que, esvaziados de ideologias e não querendo submeter-se a regras coletivas (afastando-se, por esse motivo, do controlo dos fundamentalistas), os novos ditadores acabam concentrando sobre o seu próprio sucesso no controlo e esmagamento das sociedades civis a única justificação dos seus regimes: eles são liderados por homens fortes e competentes que protegem a nação. 



Outro tópico, praticamente não explorado aqui, é o do nacionalismo. Todos eles recorrem ao orgulho nacional, que procuram colar à sua imagem de chefes, para legitimar ambições pessoais e galvanizar populações em torno do autoritarismo. 



O artigo é, de resto, sugestivo e o que se propõe faz todo o sentido, mesmo que a proposta venha de uma perspetiva específica, a dos interesses dos EUA. É realmente necessário estudar o fenómeno, que se torna hoje na maior ameaça à paz mundial e à liberdade política. Estudá-lo, pressupõe-se pela base do próprio texto, comparativamente, sem cair no particularismo dos 'africanos', dos 'asiáticos', da 'cultura política chinesa', do 'autoritarismo russo', etc.



Sugiro, portanto, esta leitura, que é rápida:





The New Dictators | Foreign Affairs:



'via Blog this'

18.7.16

Erdogan, Putin, totalitarismo islâmico e a pedra no sapato



A notícia-comentário parece-me exata e bem pensada. O que se passa na Turquia é uma verdadeira purga e tem um objetivo só: colocar, de um só golpe, a Justiça, a Administração e, sobretudo, as Forças Armadas na mão e aos pés de Erdogan e do seu partido. A partir daí, como em qualquer Estado totalitário, não haverá mais separação entre Partido, Governo, Estado e, pretensamente, país. 


Provavelmente alguns militares, uma vez que entre eles grassava o descontentamento, foram estimulados a avançar para o golpe. Mas, quer tenha sido assim, quer não, o que Erdogan faz é aproveitar a situação para, de um só golpe, cumprir agora o seu velho projeto de poder pessoal e totalitário. A súbita reaproximação à Rússia, iniciada ainda antes do golpe, denunciava já essa intenção, pois era previsível o afastamento da Europa, dos EUA e da Nato e era necessário, por isso, reativar a aliança com outro poder totalitário, sempre compreensivo para com os ditadores. 


O problema de Erdogan divide-se agora em dois: Putin estará sempre de pé atrás, porque se trata de um fascismo islâmico e ele tem muitos problemas com os islamitas radicais; a segunda parte é mesmo essa: toda a encenação e a rápida substituição de quadros, até a resistência nas ruas, não seria possível sem o largo e decidido apoio dos radicais islâmicos, que terão andado armados entre a multidão a prender soldados afinal inocentes. 


Erdogan vai ter de escolher aqueles de que depende para sustentar internamente o seu controlo total sobre o país. É, portanto, provável que a opção Putin seja apenas temporária, um casamento de conveniência e com data de divórcio aprazada. A única pedra no seu sapato continua a chamar-se Fethullah Gulen...




Turkey widens post-coup purge, demands Washington hand over cleric | Reuters: "Fethullah Gulen"

Um exemplo mais de que se trata, realmente, da islamização rápida e forçada da Turquia está nesta decisão de descriminalizar o casamento entre homens adultos (mesmo velhos) e crianças. Ler aqui.

'via Blog this'

24.6.16

euro revisionismo pós-brexit


Não há muito a lamentar sobre a saída da Inglaterra da União Europeia. Estava lá só com um pé (o outro era para fazer birra) e nem sequer usava o euro. Vai-se passar uma transição delicada, sobretudo porque os negócios estavam assentes em pressupostos europeístas, mas esta é a menos traumática das saídas. 

As suas causas é que devem ser vistas objetivamente. Sobretudo a principal, imediata, mais visível: a articulação entre emigração massiva e os apoios dados pelas seguranças sociais. A visão paternalista e estatal da segurança social, da saúde gratuita que pagamos com aumentos de impostos e de outras formas, articulada com a cegueira do politicamente correto que leva os responsáveis europeus a dizerem sim a qualquer emigração, muito para além das necessidades demográficas e empresariais, isso é que tem de ser revisto. 

É preciso libertar as pessoas para que escolham os seus próprios sistemas de segurança social, saúde, etc. E é preciso racionalizar, quer a entrada de emigrantes, quer a de refugiados, pois hoje não há de ser menos de metade da população mundial a que pode reclamar o estatuto de refugiado e usufruir de benefícios sociais para a sustentação dos quais nunca vai contribuir. 

Não o fazendo, os políticos do 'centrão' europeu (moderados, politicamente corretos, etc.) entregam aos populistas e aos extremistas um capital político fatal em tais mãos e puseram já em risco, não o futuro da Europa, mas o de uma democracia sustentável. 

25.5.16

O fascismo tem mesmo origem no marxismo? Tem, sim.


Afirmações do jornalista José Rodrigues dos Santos sobre as origens marxistas e do fascismo provocaram uma polémica desnecessária e um desmentido muito mal fundamentado. José Rodrigues dos Santos tem razão no que diz, embora não seja muito rigoroso no uso dos termos (a relação é mais entre socialistas - o que pode não se reduzir a marxistas - e fascistas, mas também nazis). Num artigo do Público faz-se (Paulo Pena) uma afirmação com muito menos fundamento que a de José Rodrigues dos Santos: "O marxismo é, de facto, cronologicamente anterior ao fascismo. Mas acaba aqui a verosimilhança na tese de José Rodrigues dos Santos." É uma afirmação peremptória, que o desenvolvimento do artigo não justifica. A verdade é que faltam factos no artigo do Público, feito em nome dos "factos" e, por outro lado, o articulista compara tomadas de posição muito posteriores à "origem do fascismo" dando, sem distinção, exemplos de Mussolini, dos nazis e de Pequito Rebelo... 

Realmente, é preciso ir às origens desses fenómenos, porque é de origens que JRS fala. São, de resto, esclarecedoras, o que se pode ver com três exemplos que me vieram à memória. 

Primeiro exemplo: por volta de 1892 realizou-se uma série de actividades dos “deputados socialistas alemães” e de uma “associação de socialistas patriotas e anti-semitas” da mesma nacionalidade, incluindo um Encontro entre eles, com participação de sindicalistas. Quem estudar as origens do nazismo (ou seja: do nacional-socialismo) encontrará aqui um dos episódios mais recuados da operação simbólica e ideológica que funde a noção de proletariado com a de povo alemão e a noção de burguesia com a de judeu e estrangeiro. Essa vai ser a base talvez mais forte da componente e da influência do marxismo ou, mais englobante, do socialismo sobre o nazismo. Ora, nesse ano de 1892, em Abril, Hitler fazia três anos de idade... 

Segundo exemplo: o do próprio nome do partido alemão, para o qual chamei a atenção acima. Esse nome prende-se, justamente, com um processo histórico, uma evolução ideológica e partidária que foram semelhantes na ascensão do nazismo e do fascismo - mas não no historial de Pequito Rebelo e da apropriação dessas ideologias pelo conservadorismo rural português

Também Mussolini nunca abandonou as ideias socialistas e, em parte, a leitura marxista da organização social. Em textos da época da sua dissidência (1919 é o ano culminante), o que ele reclama é um sentido de nacionalidade e de nacionalismo que falta ao socialismo para ele se afirmar e defender os países onde quer implantar-se. O nacionalismo era, no entender de Mussolini, o pólo agregador das mais diversas vontades que, por isso mesmo, o socialismo não podia deixar de aproveitar. O corporativismo é a síntese superior desta junção de marxismo e nacionalismo: enquanto marxistas, os fascistas propuseram um sistema corporativo inspirado nas propostas de assembleias de, como se disse em Portugal em 1975, "operários, soldados e camponeses"; o nacionalismo acrescentou todas as outras classes para congregar todas as vontades em torno da defesa e do progresso da nação, que o Partido Fascista orientaria no sentido da plena realização política de um Estado Nacional Corporativo (ou seja: nacional e social).



O desenvolvimento das práticas e das formulações políticas, ideológicas e partidárias de marxistas, fascistas e nazis opuseram-nos cada vez mais e diferenciaram-nos cada vez mais, mas a origem é comum e reside na leitura classista e economicista da organização social. Uma leitura, de resto, que vemos ainda espreitar alguns discursos de nacionalistas do chamado 'terceiro mundo' e, mesmo, de bolivarianos - embora nestes casos, em vez do 'judeu', surja a figura do 'europeu', que representaria o mal, o demónio, ou seja, a burguesia, o capitalismo, o liberalismo que era preciso destruir. 



'via Blog this'

15.5.16

a falsa moral democrática do bolivarismo


Um dos principais argumentos, ultimamente, dos defensores nacionais e regionais de Dilma Rousseff é o da legitimidade democrática. A base do argumento é que uma Presidente eleita foi substituída pelo seu Vice e este não foi eleito, pelo menos para ser presidente. Com as 'vaguidões' habituais, ora se diz Presidente, ora Partido, ora Governo eleito. Qual das escolhas a pior! Este argumento é, estranhamente, dos que menos os ajudam.

Em primeiro lugar porque o processo foi constitucional e aberto. 

Em segundo lugar porque a Presidente foi eleita com base numa campanha suportada pelas pedaladas fiscais e outras manobras que deram uma imagem irreal da situação económica e social do Brasil e, para o fazerem, rebentaram com a economia do país. Não em favor do povo (os beneficiários foram, sobretudo, grandes empresários que sustentava o PT), mas do esquema montado para viabilizar a governação Dilma caso fosse re-eleita. Portanto, pode-se colocar a questão da legitimidade dessa eleição, visto que o povo não conhecia a situação real.

Em terceiro lugar porque o Vice-presidente foi eleito com ela. Mas não só - e aqui temos o contra-argumento decisivo, a meu ver: todos os que votaram, a favor e contra o impeachment, foram eleitos também

Por vezes, ainda, põe-se em causa a qualidade desses votos - e há razões para isso. Mas muitos dos exemplos apontados são exemplos de partidos que apoiavam a coligação governamental até pouco tempo antes do processo de destituição.

Em quarto lugar porque o partido a que pertence o agora Presidente é o partido com mais eleitos. Isso lhe traz uma conotação moral negativa (por ter suportado a mentira Dilma) e outra positiva, justamente no campo argumentativo dos 'legitimistas': o maior partido brasileiro, em número de eleitos, estava contra a Presidente. Se houve uma maioria a favor dela na eleição presidencial, essa maioria incluiu o maior partido brasileiro e esta grossa fatia da votação voltou-se contra ela depois de a eleger. É de supor, portanto, que a maioria da população, tal como indicam as sondagens, esteja contra a Presidente eleita. 

Estes argumentos, apesar da sua fraqueza retórica, foram adotados pelos bolivarianos, a começar pelo ridículo e catastrófico Maduro - também ele Presidente eleito (com sérias reservas à democraticidade da eleição), rebentou com a economia do país e hoje há, segundo as sondagens, mais de 70% da população a querê-lo fora. 

Todos eles têm em comum vários pontos com Dilma: dúvidas sobre a honestidade, integridade e legalidade da sua governação; países com as economias completamente inviáveis no estado em que as puseram e com as regras que lhes impuseram e o sistema de corrupção que as suga; dúvidas sobre a verdadeira representatividade dos seus eleitos. 

Não são bons companheiros. É o coronelismo de esquerda, iniciado por um militar golpista (Hugo Chávez), que prossegue até ao fim uma política cega porque se recusa a ver os resultados que traz e, portanto, se recusa a reconhecer os graves erros cometidos. 

Não me parece que a esquerda brasileira consiga recuperar-se por aí. Foi muito mais inteligente, por exemplo, a recente entrevista do Senador João Paulo, de Pernambuco, reconhecendo alguns dos erros cometidos (embora talvez não os fundamentais). Estrategicamente, retoricamente, o que ele defendeu é muito mais produtivo em termos de retórica partidária e política. 

2.5.16

La Morale anarchiste - Wikisource



Uma boa releitura para a Humanidade nos dias de hoje:



La Morale anarchiste - Wikisource



(passados tantos anos, o que faz sentido ainda?



'via Blog this'

30.4.16

Pressionado, Temer já admite redução menor de ministérios



É um problema estrutural, com que o PT se defrontou e, já antes, no governo FHC. Como manter uma base aliada maioritária, num parlamento fragmentado e reduzido à procura de ministérios?


A lei eleitoral brasileira tem de mudar, no sentido de favorecer maiorias. Isso, aliás, muita gente e de quadrantes diversos tinha já dito e repetido. 


O resto são piruetas linguísticas: vamos reduzir, mas menos; vamos ser radicais nisso - mas moderadamente. Etc.


Pressionado, Temer já admite redução menor de ministérios - 30/04/2016 - Poder - Folha de S.Paulo:


Entretanto passaram-se dias, o processo de destituição avançou, Michel Temer é agora Presidente. Confirmando o que disse acima, 8 ministros (a má língua da agora oposição logo denunciou) são investigados por corrupção ou comportamentos adjacentes. Não são culpados ainda, mas também se podiam evitar essas nomeações, pois há, com certeza, gente competente sem processos do género. Mas há as alianças dos partidos para manter a governabilidade e, por mais que os defensores do novo governo tentem disfarçar a realidade, isso não resolve. 

A melhor opção retórica dos novos 'governistas' será a de apontar o problema estrutural da democracia brasileira para, conforme se inicie a recuperação económica, se tornar a democracia mais funcional e evitar a atomização partidária - que, parecendo um bem à partida, se tornou, como vimos, uma fonte de corrupção desenfreada. 



24.4.16

Justiça não concluiu um único processo sobre a Banca

Justiça não concluiu um único processo sobre a Banca:



O que preferimos? Isto ou o pedido de destituição de Dilma por um ex-procurador co-fundador do PT? A justiça que não funciona, ou o jurista que se vale da lei para verificar as ilegalidades de quem governa e limitar assim o descalabro que tem sido também o da Banca em Portugal?



'via Blog this'

23.4.16

O que se procura destituir no Brasil?


É, sem dúvida, assunto que tem apaixonado a lusofonia o da destituição de Dilma Rousseff. Ela, no entanto, está envolvida por um processo mais profundo e muito mais interessante.

Passo a explicar-me:

Pelo menos desde que se instituiu a doutrina dos três poderes eles lutam uns com os outros, entram sempre que podem nos domínios uns dos outros e, se conseguem, condicionam a atuação dos outros. 

No caso concreto do Brasil, a Justiça não tinha autonomia, estando subordinada ao respetivo Ministério. Isso dava jeito, por exemplo, aos militares. Quando, creio que no fim dos anos 80, o órgão superior da Justiça brasileira se autonomizou perante o Ministério, o poder judicial autonomizou-se perante o executivo. 

Desde essa época, lentamente, gradualmente, uma parte da justiça brasileira foi ganhando consciência de que devia e podia realizar um trabalho digno, em vez de subsumir-se como instrumento para encobrir, ou mesmo praticar, a corrupção partidária e outras. Por isso é que todo este processo, antes de ser político, é jurídico.

Recordemos alguns factos de que ninguém fala já:

Um respeitado Procurador, com uma longa carreira política de esquerda e mesmo dentro do PT, Hélio Bicudo, lançou a denúncia contra a Presidente. Ele nasceu em 1922 e ainda fez parte, por algum tempo, do governo de João Goulart antes da ditadura militar. Ao longo da ditadura foi dos mais sérios defensores dos DH, tendo por isso visto o nome inscrito na lista do SNI. Foi vice-prefeito de Marta Suplicy (PT) em São Paulo, imediatamente antes de Gilberto Kassab ganhar a prefeitura. Foi candidato ao Senado pelo PT, ficando logo atrás de Mário Covas e FHC (1986). Foi Presidente da Comissão Interamericana dos DH (eleito em 2000).

Ele filiou-se no PT no momento da fundação do Partido e desfiliou-se em 2005 por causa do escândalo do ‘Mensalão’. Foi, portanto, um dos desiludidos de peso com a prática dos governos de Lula e Dilma, com a sua entrega despudorada à corrupção, a sua manipulação da vida política brasileira em função da corrupção também. Depois disso ainda acreditou em Marina Silva em 2010 e acabou apoiando José Serra na final do campeonato.

Quando apresentou a denúncia, Miguel Reale Jr. juntou-se-lhe imediatamente. Trata-se de um jurista com vasto CV e Prof. Titular de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia na USP. Ele pertence ao PSDB.  Um terceiro jurista, ou uma terceira jurista, Janaína Paschoal, aderiu também desde o começo. Ela doutorou-se em Direito Penal, sob orientação de Miguel Reale Jr. Ela é o ponto fraco desta equipa, não por falta de lucidez ou de inteligência, mas por se revelar muitas vezes exaltada, oferecendo uma imagem imprópria para consumo (quem julga não pode exaltar-se, sobretudo quando julga).

Construída a denúncia, vários grupos ligados aos manifestantes contra Dilma e a favor da sua destituição, bem como vários outros grupos da sociedade civil, aderiram massivamente ao processo, como se viu nas ruas.

Quer dizer que este processo resulta:
-       - em primeiro lugar, de uma atuação de juristas com biografia política diversa (ainda que, em ambos os casos, em partidos que foram liderados por vítimas da ditadura militar);
-       - em segundo lugar, de uma desilusão generalizada com a política do PT manipulando a seu favor a corrupção e multiplicando-a.

Quais as acusações feitas à Presidente? Estas:
  • Atos contra a probidade na administração;
  • Atos contra a lei orçamentária;
  • Atos contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais;
  • Crime contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos.
O que serviu de base? As chamadas ‘pedaladas fiscais’, por questões legais as do ano de 2015 (relativas ao novo mandato da Presidente). Qual o seu enquadramento?

A origem do uso desproporcionado e doloso das ‘pedaladas fiscais’ está na utilização dos dinheiros públicos para manter uma aparência de desenvolvimento, sustentar artificialmente uma série de empresas, universidades, enfim, de lucros e uma ‘nova classe média’ que, por ter sido criada e sustentada artificialmente, com o avolumar da crise internacional estava a ser de novo proletarizada.

Portanto, ainda não se julga a corrupção ativa mantida com fundos da Petrobrás e outros, mas o uso indevido dos fundos públicos para manter uma aparência de desenvolvimento, o que os foi literalmente derretendo e colocando o país numa situação economicamente catastrófica e politicamente insustentável a médio prazo.

A gravidade moral da atuação de Dilma, no julgamento popular, avoluma-se pelo facto de ela ter abusado desses recursos para poder fazer a última campanha presidencial sem ter de assumir os erros do PT, ou do governo liderado pelo PT. Avoluma-se ainda pela sucessão de escândalos de corrupção envolvendo, entre outras, altas e respeitadas figuras do PT, como o próprio ex-presidente Lula da Silva. Todo o Partido dos Trabalhadores e a cúpula governativa se viram denunciados e revelou-se ao Brasil um descaminho em várias direções que rapidamente conduziria o país à bancarrota, ao descrédito e, portanto, à miséria generalizada.

A reação do PT e da Presidente foi a pior possível, mas típica da autoproclamada ‘esquerda do século XXI’. Num procedimento característico do tempo dos coronéis, partidarizaram uma questão judicial e começaram a falar em golpe para, no fundo, impedirem que o processo continuasse o seu caminho constitucional, ou seja, legal. A ideia é levar a um golpe, sim, mas que obstrua o caminho da justiça e o caminho da democracia e condicione, de novo, aos políticos e à pressão partidária a atuação dos juristas. Ainda no mesmo sentido se inscrevem as última declarações de Dilma contra os ministros do STF que, muito justamente e fundadamente, mostraram que não havia nenhum golpe.

A contra-campanha do PT, rentabilizando a sua poderosa máquina de propaganda, confundiu muita gente boa. Mas o que, nesta guerra entre Justiça e Executivo, está a acontecer no Brasil é o que muitos de nós gostaríamos que sucedesse nos nossos países: a população protestando contra a má gestão (mais ou menos dolosa, agora importa que seja danosa) e a Justiça atuando em conformidade. 

Os políticos precisam, sim, de ser julgados pela sua “probidade na administração”, pelo seu desrespeito pela “lei orçamentária”, por tentarem na prática impedir o cumprimento “das leis e das decisões judiciais” (ou seja: da atuação do Legislativo e do Judicial) e por “crime contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos”.

Quantos povos, intelectuais, mesmo políticos não gostariam de ver isso nos seus países, ou seja: a responsabilização dos governantes pela sua atuação?

É preciso deixar a Justiça fazer o seu caminho, agora dentro do campo do Legislativo, que tem de ser chamado a pronunciar-se, de acordo com a Constituição. Essa mesma Justiça, continuando como está a proceder agora, se encarregará de outros políticos corruptos, que não hesitou em acusar e com os quais não pactuou (ao menos por enquanto) por mais que lhe desse jeito (caso de Eduardo Cunha, que continua acusado e, por isso, se verá impedido de exercer a Presidência, consequentemente a Vice-presidência). 

Dê-se à Justiça a possibilidade de agir e, se ela também se corromper, então resta-nos apenas o que tanto procurámos evitar ao longo destes anos: a lei do mais forte, resumida na famosa trilogia “quero, posso e mando” - e no respetivo corolário: “se te pões no caminho esmago-te, demónio, não te queixes depois”.



6.4.16

O crime de Dilma e do PT


O governo do PT nunca me entusiasmou. Pareceu-me sempre que ia dar no que deu: a princípio alguma contenção, alguma distribuição, moderada, de riqueza e depois um descalabro aumentando em bola de neve e em todas as direções. 

Colegas e amigos chegaram a prever o fim da corrupção no Brasil. Eu dizia-lhes que não podia ser, que o PT só subiria ao poder com a corrupção e não contra ela. Os resultados tornaram-se visíveis, desde relativamente cedo, quanto a isso. 

Mas o governo de Dilma cometeu um erro político-económico muito grave, comum de resto a outros países emergentes: tapar o sol com a peneira, gastar mais dinheiro ainda para disfarçar a crise e manter, artificialmente, os índices de desenvolvimento. A inflamação disfarçada, ignorada publicamente, não combatida de frente e com rigor, continuou a inchar até rebentar já com dimensões incontroláveis. 

Desde sobretudo 2009 que isso se tornou patente e, nas últimas eleições, era escandaloso: o país estava numa tremenda crise e o governo disfarçava os números e gastava muito além do que já não tinha. Para quê? Pelo menos três razões: 

1) para ganhar a eleição, que estava por um fio e, caso perdesse, os que viessem destapavam a panela mostrando toda a encenação macabra da economia brasileira nos últimos anos;

2) para manter um sentimento artificial de desenvolvimento e de criação e sustentação de uma nova classe média e de uma nova pequena burguesia, motor da votação no PT; 

3) para manter o status quo, nele incluído (com relevo) o grande negócio, portanto, a grande corrupção, recorrendo sobretudo ao saco sem fundo aparente da Petrobrás (como na Venezuela...).

Esse foi o crime de Dilma e o do PT: subiram com a mentira, desmascarando esquemas de corrupção que hoje se revelam humildes nas suas proporções e depois esgotaram todas as reservas e o futuro do país para manter artificialmente índices de crescimento e desenvolvimento que não souberam criar. O roubo para o bolso próprio ainda não foi o pior, o pior foi mesmo isto que vem referido no relatório do Banco Central. Como, de resto, percebeu quem redigiu o pedido de destituição da Presidente, que é uma via para também parar com a sangria de dinheiro mal gasto e suspender, se possível, o crescimento avassalador da grande corrupção. 

Se não, vejam-se os dados do BC referidos pela Folha de São Paulo. 

19.12.15

Políticas no Flipboard





Políticas no Flipboard



- por vezes comentadas

28.11.15

São Vladimiro abre novo conflito: os nostálgicos da URSS aplaudem


Artigos como este ressurgem de vez em quando nas redes sociais, desacreditando a coligação internacional na Síria e apresentando a Rússia como salvadora da humanidade naquele país concreto. 

São textos escritos, em geral, por pessoas e organizações por assim dizer órfãos da URSS e que sublimam a sua orfandade tornando-se reféns ideológicos de Putin. O atual sistema político russo, porém, o que tem de idêntico à URSS é o seu expansionismo e o uso de métodos parecidos com os do KGB para servir uma ideologia conservadora de direita, próxima do que defende hoje o Front National em França. 

É fácil mostrar o erro de leitura destes órfãos da guerra fria, mas é mais produtivo oferecer uma perceção lúcida e, portanto, alternativa do que perder tempo com balbucios trôpegos. 

A coalizão internacional atuou, sem dúvida, de forma lenta e podia já, creio, ter diminuído (se não neutralizado) a força do Daesh naqueles dois países (Iraque e Síria). As razões para uma lentidão possivelmente planificada são várias, incluindo os interesses das respetivas indústrias armamentistas - que, de resto, possuem maior acuidade na ex-URSS. Mas a redução da eficácia é também determinada pela compra de petróleo ao EI, da qual participa inclusivamente o opressivo regime dos Assad. Sim, hoje sabe-se que o próprio regime tem comprado petróleo barato ao Daesh, tanto quanto companhias petrolíferas privadas e pirataria diversa. Por esse motivo se puseram a circular notícias precisas sobre as compras de petróleo ao EI pelos Assad quando se despoletou a crise turco-russa. O Secretário de Estado dos EUA assumiu mesmo essa denúncia publicamente, conforme notícias de 14 de Novembro p.p..

Aproveitando-se da situação de ineficácia controlada, ou planeada, dois novos protagonistas entraram na guerra contra o Daesh: Turquia e Rússia. Ambos usando o mesmo alibi dos outros (ou seja: combater e derrotar o EI).

A Turquia, inicialmente relutante por causa da coligação de interesses entre os EUA e os Curdos, acabou cumprindo aparentemente os seus deveres enquanto membro da NATO e começou a bombardear 'terroristas' no Iraque e na Síria. Como os Curdos são considerados grupos terroristas há muitos anos, a Turquia bombardeou mais os Curdos do que o EI, para além de continuar a apoiar islâmicos moderados e Turcomenos.

A Rússia, quando caiu o último bastião do regime de onde os russos tiravam petróleo (v. a nossa mensagem anterior neste blogue), decidiu combater no terreno o EI, alegando que também é vítima de terrorismo (o que só descobriu nessa altura?). 

Assim que entraram viu-se que estavam lá para defender os responsáveis pelo problema sírio. Não é por parcialidade que o dito 'Ocidente' fala disso, principalmente a França e os EUA e todos os que pensam que Assad não tem condições para participar de uma solução política. A origem do problema está na reação do regime sírio às contestações pacíficas e espontâneas de muitos milhares de pessoas contra o regime opressivo dos Assad. Foi a dura e impiedosa repressão do regime sobre manifestantes pacíficos que deu o motivo aproveitado por guerrilheiros islamitas para se infiltrarem nas multidões e começarem a disparar, alegando que estavam a defender a sua vida e a sua liberdade de manifestação. 

Ignorando isso, como o EI também combate os Assad, a Rússia tinha o alibi necessário para defender o regime (a alegação de que, ao fazê-lo, fortalece uma força que também combate o Daesh) e, de passagem, bombardear os islamitas moderados, que representam uma alternativa credível ao governo sírio. A estratégia russa é clara: esvaziar o campo da oposição reduzindo uma oposição real apenas aos radicais, que todos querem combater. 

Para defender os seus interesses petrolíferos, então, os russos começaram a bombardear também os grupos armados que defendiam a população turcomena da Síria e, por isso, eram protegidos pela Turquia. Só por si, este facto constituia uma declaração de guerra. Cuja gravidade aumenta quando nos lembramos da justificação da Rússia para anexar territórios à sua volta (com as guerras e custos humanos que provoca), justamente a defesa das populações russófonas que a URSS deslocou para colonizar tais territórios. 

Assim, aqueles dois países que entraram no combate ao EI relutantes, naturalmente só para defenderem os seus interesses particulares mas criticando a 'ineficácia' do 'Ocidente' (essa velha rábula...), acabaram fazendo pior e, mais, criando um novo conflito que os opõe um ao outro. 

Sistematicamente os russos violaram o espaço aéreo turco e as queixas da Turquia foram várias, públicas e notórias, denunciando essa violação ainda antes da entrada oficial da Rússia no conflito. Quem olhe atentamente o mapa geográfico e político da zona de abate do caça russo, percebe a conveniência ou necessidade de a aviação moscovita sobrevoar aquelas cunhas de território turco junto à Síria. Mas, à maneira da URSS (impositiva e arrogante), os russos fazem-no sem terem antes obtido a concordância do governo local e desprezam totalmente as queixas turcas sobre violação do espaço aéreo - como se Ankara fosse capital de uma província, justamente, da ex-URSS. 

Além disso, a Rússia tentou condicionar Erdogan e alguns outros governos islâmicos através de laços económicos que lhe permitissem posteriormente fazer chantagem política. Como, de resto, faz com o gás e a Europa e sempre fez desde os tempos da URSS. Os russos chamaram Mahmud Abbas e Recep Tayyip Erdogan para a inauguração, com pompa adequada, de uma grande mesquita em Moscovo, largamente financiada por um oligarca do regime. Não sabiam, nessa altura, que estavam a convidar o perigoso presidente islamita, apoiante (segundo eles) do EI, não só dos 'terroristas' moderados? Nessa altura isso não importava? Os acordos comerciais recentes entre os dois países não foram promovidos e apoiados por Putin? O projeto de gasoduto não foi proposto por Vladimir Putin ao presidente turco após a inauguração da grande mesquita? Como só agora ganhou São Vladimiro essa febre de denúncia do papel da Turquia na guerra síria? 

Estamos, em resumo, com um historial bem diferente do que esses artigos tendenciosos pró-russos apregoam: a entrada da Rússia na guerra veio piorar a guerra, intensificá-la e criar mais um conflito, justamente com outro país que, tanto quanto a Rússia, só lá está para defender os seus interesses (mas, pelo menos, tem a desculpa de ser vizinho e defender, lá dentro, uma etnia muito próxima do seu povo). 

Em comum, os governos russo e turco partilham também um processo deliberado, controlado e acentuado de endurecimento dos respetivos regimes e consequente limitação de efetivas liberdades e direitos humanos. São países em forte retrocesso relativamente aos projetos de democratização que houve no seu seio. 

Em suma: países que, governados assim, onde se metem só trazem mais problemas e mais opressão do que tudo o que publicamente criticam. Não é por acaso, aliás, que as alianças russas no mundo são todas com regimes autoritários... 



3.10.15

O alibi do EI



Lembram-se da notícia abaixo? Foi publicada a 7 de Setembro. Não há muito mais que pensar para compreender a política russa na Síria. Justamente, um dos alvos de bombardeamento é junto de Homs, onde estão aqueles dois poços assinalados. É bom reler... 



Por outro lado, não é preciso também pensar muito para perceber, perante o mapa, que o EI sobreviva a uma coligação que parece reunir o mundo inteiro e a outra que reúne o que sobra. Seria possível resistir a tanto poder militar? Claro que não. 



A Turquia vai lá matar curdos; a Rússia, o Irão e o que sobra dos Assad combatem mais os islâmicos que não pertencem ao EI do que os outros; os EUA não se sabe muito bem o que andam lá a fazer (até porque nunca dizem tudo), a França fez uma espécie de bombardeamento-propaganda. Ou seja, 



o Estado Islâmico é um alibi. Daí lhe vem a força - e, claro, dos poços de petróleo. 





El Estado Islámico ya controla todo el petróleo de Siria:



'via Blog this'

20.9.15

Burkina to return to civilian rule after coup, mediator says | Reuters



À semelhança de outros golpes recentes em toda aquela vasta zona, também no Burkina Faso os militares herdeiros do ditador (neste caso deposto nas ruas) tentaram evitar a realização de eleições efectivando um golpe cerca de três meses antes. Lembram-se do Mali, por exemplo? Foi talvez o primeiro desta nova série de golpes e o mais desastroso - justamente pela insistência dos golpistas em se manterem contra tudo e contra todos.


Os objectivos iniciais são pios e castos, ainda mais nas últimas horas, reafirmados pelo ex-braço direito de Campaoré para os sectores militar e policial, que dirigiu o golpe (Gen. Diendere). Ele diz que não quer o poder (quase todos os ditadores o disseram), mas assegurar eleições credíveis e indiscutíveis. Havia, no entanto, muitos meios de o fazer pacificamente e não é de crer numa tão profunda e rápida conversão de Diendere à democracia, depois de anos assegurando o terror militar e policial de Blaise Campaoré. 


A menção a uma desejável dissolução da Guarda Presidencial foi também aventada como autêntico motivo para o golpe. Acredito que tenha sido um dos motivos, sendo o outro evitar as eleições que viriam consagrar um novo poder pela força das urnas e condenar a prazo os principais responsáveis pelo antigo regime e a própria Guarda, que não hesitou em disparar sobre os manifestantes provocando pelo menos 10 mortos (e que continua a enfrentá-los nos subúrbios, tendo a situação acalmado no centro da cidade). 


A reacção da União Africana e dos mediadores africanos (Macky Sall e Thomas Boni Yayi), foi, porém, exemplar. Apoiada pela comunidade internacional, apertou imediatamente o cerco aos golpistas sem deixar de os ouvir e tentar cobrir razões de queixa mais 'objectivas', como sejam as que dizem respeito ao seu futuro. 


Isto mostrou, mais uma vez em tempos recentes, que a África (ou, pelo menos, aquela zona de África) tem condições de assumir o papel que lhe cabe, resolvendo os seus próprios problemas em favor da democracia e da estabilidade. Infelizmente, o mesmo rumo não tem sido seguido, ou não com a mesma clareza e determinação, em algumas outras regiões africanas, como se vê no caso do Burundi.


Significativo, no golpe do Burkina Faso, foi o facto de o primeiro-ministro (Isaac Zida) ter ficado em prisão domiciliária quando libertaram o Presidente. O tratamento diferenciado que tem sido dado ao primeiro-ministro (ex-número dois da GP), rival de Gilbert Diendere, bem como a menção apenas ao Presidente interino quando se fala no regresso à normalidade, podem indiciar uma solução que, para os golpistas não ficarem de mãos vazias, sacrificaria Zida, instalando outro primeiro-ministro. 


Apesar disso, o importante é que o golpe falhe e as declarações do chefe das forças armadas, General Pingrenoma Zagre, denunciando a violência contra o povo, parecem mostrar que o golpe já falhou. Não porque o chefe do exército se tenha posto repentinamente contra Diendere. Em princípio, ele não estaria interessado em ver a todo-poderosa Guarda Presidencial no poder. Estava, porém, calado. O que torna sintomáticas as suas declarações é que elas indicam o fim desse período de silêncio, de prudência tumular, que muitos respeitam rigorosamente após o desencadear de um golpe. Se Zagre falou assim, condenando a violência da Guarda Presidencial, é porque percebeu que o golpe falhou e não deseja ver-se conotado com o seu episódio mais execrável: a morte de civis em protesto pacífico nas ruas. 


Esta, sim, pode ser uma vitória para África e os manifestantes Burkinabes mostraram, mais uma vez, uma determinação invejável. 





Burkina to return to civilian rule after coup, mediator says | Reuters:



'via Blog this'