22.7.22

Embate português entre populismo xenófobo e social-democracia

 Amigos de várias paragens me enviaram um vídeo no qual André Ventura (Chega, Portugal) e Santos Silva (presidente da AR, Partido Socialista, Portugal) entram num confronto verbal direto por causa da emigração. 

O confronto foi sintomático. 

André Ventura, como sempre, espalhava brasas e atirava barro à parede, muito nervoso sobretudo depois de escutar a primeira resposta do presidente da Assembleia, como se fosse inadmissível contrariarem-no. Ventura bradava contra a emigração legal e ilegal que pesa sobre o bolso dos portugueses, que têm de pagar mais impostos para sustentá-la e são secundarizados para se proteger estrangeiros. É uma reclamação muito usada já em vários países e até nem só de hoje. Mas, para a discussão ter alguma seriedade, o chefe do Chega devia apresentar números concretos. Eu não duvido que não se possa continuar em Portugal a receber indiscriminadamente emigrantes, por rutura da segurança social, mas é indiscriminadamente, o problema está na falta de racionalização dos movimentos migratórios. É que só a partir desses números se poderá definir qual o peso exato da emigração legal e ilegal nas contas do Estado e ver se, como, e até que ponto essas despesas são sustentáveis e que benefícios trazem aos portugueses os emigrantes, em que áreas, que empresas portuguesas precisam de mão de obra. Nesse aspeto, foi bom recentemente Portugal assumir que tinha falta de mão de obra na restauração e na hotelaria, abrindo-se a migrantes para trabalhar nesses ramos.  

Retornando ao tal embate, em seguida, apertado pela resposta amplamente saudada de Santos Silva, André Ventura ainda tentou recuperar terreno, interpelando o presidente da AR portuguesa por ele tomar posição. Porém, como de resto e com inteligência mostrou logo em seguida o deputado-presidente, pedindo aos seus colegas que deixassem André Ventura falar, a sua atuação não era parcial no sentido de prejudicar os direitos de um dos grupos em liça, mas apenas no sentido de manifestar a sua opinião sobre o que estava em jogo. É claro que, mesmo presidindo às sessões, o presidente de uma assembleia de representantes não deixa de ter opiniões próprias e não perde o direito de manifestá-las. O contra-ataque de Ventura à resposta do presidente do plenário não tinha força própria, era mais barro atirado à parede para sujar o nome do adversário, que o superava no duelo retórico.

Augusto Santos Silva, na sua esmerada educação e com tato retórico populista (mas à esquerda), elogiou os emigrantes, afirmou que Portugal devia muito aos emigrantes, mantendo a disputa no vago. Deve o quê, precisamente? Quanto? Desde quando? Certamente que muitos emigrantes contribuíram e contribuem para o bem-estar dos portugueses e vários outros pelo contrário, fornecem alibis para sustentar as acusações do Chega. É precisamente na definição do que vale a pena receber e do que é necessário rejeitar que o debate, com análises sustentadas em dados rigorosos, pode abrir caminho a uma resolução do problema.

Ou seja, para o duelo ganhar seriedade e consequência, penso que o presidente da AR portuguesa devia solicitar ao deputado Ventura que sustentasse em números e análise consequente as suas afirmações. Como candidato a primeiro-ministro e deputado que protesta contra a emigração, deve necessariamente apresentar dados, análises e propostas.

Assim, o 'bate-boca' limitou-se à repetição de posições inconsequentes e já conhecidas. Inconsequentes porque essas afirmações de princípio não resolveram nada, nem podem resolver. Apenas elogiar ou denegrir os emigrantes, nem numa conversa de bêbedos convence ninguém, só anima ou desanima os que já tomaram posição. Havia que chamar a disputa para a discussão da realidade (por exemplo a da Segurança Social entrelaçada com a da emigração). O dirigente do Chega, para além de não sustentar os seus comentários exaltados, também (nessa fala pelo menos) não propôs nada, só protestou. Augusto Santos Silva, por sua vez, não lhe sugeriu que fizesse alguma proposta concreta e a pusesse em discussão de acordo com o regulamento, quero dizer, em momento apropriado. 

Claro que os meus amigos elogiaram a estofada e sábia retórica de Santos Silva, até porque deu mesmo uma resposta inútil mas por cima, com muita elegância, sem nunca baixar o nível do discurso. Eu fiquei no mesmo silêncio que me retém nessas ocasiões. O embate retórico merece uma breve análise e, claramente, com poucas palavras, o presidente da AR o venceu. O debate político manteve a pobreza dos debates político-partidários nas democracias de hoje. 

Penso que assistimos a mais uma esperta fuga à realidade, de ambas as partes. Isso, com a falta de coragem para fazer propostas concretas alicerçadas em análises sérias (que eu não tenho competência nem para imaginar), é que fragiliza as democracias europeias, pluripartidárias e multirraciais. Na parte sua, claro. Sintomaticamente elas se deparam com um eleitorado vacilante, instável, indeciso ou shift, migrante, que se deixa enganar e constrói maiorias desorientado, contraditórias umas das outras, ora populistas, ora costumeiras. Esse eleitorado sintomaticamente, para dizer tudo numa palavra, nem sabe em quem votar. Não porque lhe falte o necessário discernimento, mas porque não vê soluções, ou sequer esboços de resoluções práticas, consequentes. 

Voltamos a um problema repetidamente referido aqui: as democracias não se mostram capazes, hoje, de resolver ou minorar os problemas reais dos países. Isso é que dá força a ditadores como Putin. Que não resolvem mas decidem, avançam e, como calam, reprimem, manipulam votos, eleições, eliminam adversários, parece até que estão a resolver alguma coisa. Principalmente quando precisam de invadir outros países...


21.7.22

Situação política ridícula


O ignorante escarnece do parvo, enquanto o pobre coça a cabeça.