18.10.21

Antirracismo racista? Cristianismo anticientífico? - para que serve a ciência em política?

 

A receita de medicamentos contra a Covid-19 que não tenham eficácia cientificamente comprovada se tornou condenável por dois motivos: porque põe em risco a saúde e por ser um ludíbrio. 

A negação da existência de uma pandemia, e da causa da pandemia, também se tornou politicamente condenável pelos mesmos dois motivos. 

Interessa-me agora o segundo. Porque é procedimento geralmente condenável o de construir, propor e impor procedimentos alicerçados em 'verdades' que a ciência demonstrou não serem verdadeiras. Em política, há verdades negociáveis. A verificação de conceitos e de hipóteses pela ciência constitui um dos limites consensuais (nas democracias) à negociação da verdade política.  

Um conceito correntemente usado que a ciência verificou ser falso torna moralmente condenável o seu uso. A verificação de hipóteses e de conceitos pela ciência realiza-se pela prévia definição rigorosa dos mesmos conceitos e hipóteses, que é necessária para a conceção de momentos de experiência ou de prova.

O conceito de raças humanas foi comprovadamente examinado pela ciência a partir da definição de 'raça' usada em ciência. Verificou-se não ter validade científica, ser uma construção social implicando uma base biológica inexistente. 

O uso do conceito se torna, assim, ludíbrio - seja para bons ou para maus propósitos. É, portanto, muito de estranhar que as mesmas pessoas condenem politicamente o que não é cientificamente comprovado e não condenem posições partidárias ou políticas assentes no uso impróprio da palavra raça.

Se não há raças humanas, não podemos pensar ou resolver o problema social e pessoal chamado racismo como se elas existissem. O racismo combate-se ou supera-se desmontando o conceito de raça e o preconceito racial e não tornando a montá-lo com figurino diferente. Na verdade, ele se integra em procedimentos gerais excludentes e o que está em causa é uma tendência (humana, infelizmente) para a segregação. A mesma que leva certos chefes partidários a dizerem que a política é a definição do inimigo. Essa tendência excludente é sintomática em muitos grupos que se apresentam como antirracistas e vemo-la caraterizar o fanatismo religioso também. 

A racialização no antirracismo anula o seu propósito político-social por ignorar as consequências morais da inexistência de raças humanas. O abandono da racialização pelos movimentos humanistas é a garantia da universalidade dos direitos. 

Agora voltemos aos populismos atuais de 'direita' (se é que têm mesmo algum fundamento político). A democracia cristã, por contraponto a eles, não tem por base diretamente o conceito de Deus, que não é verificável. Os seus princípios orientadores partem (partiram, pensa-se) da doutrina social da Igreja, fixada em Concílio. Essa doutrina articulava princípios religiosos com preocupações sociais evitando choques com a ciência. Os novos populismos 'cristãos' agem como os antirracismos segregadores: em nome de uma verdade não provável e contra os consensos conciliares ou científicos. O populista não se diz inspirado na doutrina da igreja, ele é o representante da própria vontade de deus. O risco humanosocial e político é o mesmo que o dos novos racismos: uma ditadura pior do que as imposições consensualizadas erigida por segregação de elementos discordantes ou distópicos.