10.6.12

confusão ideológica



Marx, Engels e a maioria dos marxistas confundiam «economia» e «sobrevivência». O que move o mundo dos homens é a sobrevivência (e a morte), que Freud - no seu jeito fisiologista de ser austríaco e judeu - resumiu a dois instintos, emblematizados por dois mitos gregos (os judeus sempre tiveram sentido estético). 


O que nos move mais acredito que seja o impulso para a sobrevivência. Se a sobrevivência estiver nas relações económicas, como acontece nas sociedades capitalistas, a economia comanda tudo; se estiver em outras (relações de força, relações de corte), a economia não tem nenhum papel, tal como sabiam os cavaleiros medievais europeus, os berberes do Sahara e os poetas das cortes que nunca fizeram nada de jeito na vida - muito menos poesia ou negócio. 



A casa e a mãe


Em tempo de preparação de eleições - anunciadas com apenas dois meses e meio de antecedência - devemos olhar para a constituição das listas dos partidos principais. 


A constituição de listas é sempre problemática - porque é nesse momento que os interesses que movem os políticos (posição, cargo, benefícios dos cargos) são decididos. 


O MPLA manteve uma política já instaurada antes: renovar quanto possível as candidaturas. O que é normal para um partido há tantos anos no poder, desgastado por crises crónicas na capital e condições de vida que se continuam a degradar, sobretudo para as populações mais pobres (as que têm maior número de votos). 


A UNITA parece continuar a reboque dos camaradas, frágil, sem política própria. Renovou também as listas. E cometeu, no meu entender, um erro crasso. Porque os históricos da UNITA conquistam votos ainda só com o seu nome e a sua presença daria uma imagem de unidade de que a actual UNITA precisa desesperadamente. Ainda por cima fazendo subir ao máximo posto figuras como Camalata Numa e Mihaela Webba. Numa, se decidiram varrer os 'mais velhos' (o que é uma contradição de um dos princípios básicos da UNITA), devia ter ficado na reserva também, por mera questão de coerência; Webba, de acutilante crítica do regime, vem transformando a sua imagem pública na de uma menina convencida, de vez em quando atacada de doutorice, que dá constantemente tiros nos pés como quando ataca alguns dos órgãos de imprensa que devia tratar melhor, mesmo que só por conveniência política. E, se Numa tem um nome forte em termos eleitorais, tendo sido um grande cabo de guerra e tendo mostrado coragem e frontalidade nos últimos anos ao enfrentar o governo, Webba não tem essa popularidade, menos ainda esse historial junto à memória do povo. 


A CASA-CE continua, por contraste dentro desta outra grande família, a ser mais inteligente e mais consensual. Abriga tudo, é certo, e isso pode voltar-se contra ela - se não já (porque abrigando tanta gente tão diferente parece que não tem critério para escolher) quando Chivas diamante precisar de arrumar  a casa e de lembrar que o CE vem por circunstância. Mas procura ser consensual e isso é uma virtude política nestes momentos, estratégica, para além de muito apreciada na política da África de maioria negra e, particularmente, bantu.


O maior erro, a confirmarem-se os boatos do Clube K, o maior erro da CASA-CE terá sido cometido em Luanda - praça eleitoral onde ninguém pode falhar. Colocar Luisete Araújo atrás de William Tonet é sem dúvida um erro. À partida alguns estranharão o que digo, mas um jornalista conhecido não é necessariamente um bom político, nem uma máquina de atrair votos. Ao passo que Luisete, com a originalidade e coragem que demonstrou candidatando-se a Presidente, e com o espírito de abnegação com que recuou e se integrou na CASA-CE, seria uma cabeça de lista muito mais interessante: mulher, cordata, corajosa, inteligente e ex-candidata a presidente. A opção por um jornalista polémico, frágil no seu currículo, criticado muitas vezes por ex-colaboradores e que não tem muitas simpatias no meio em que se afirmou (o da comunicação social) não terá sido a opção mais inteligente. 


Mas vamos ainda ver duas coisas e comentar só no fim de tudo: primeiro, como diz um amigo meu dessas lides oposicionistas, vamos ver quem é capaz de pôr gente na rua para além do MPLA e da UNITA; e vamos ver quantos votos cada um leva para casa. Pode ser que eu esteja errado e tenha que repensar tudo isto. 



Lavrov lavrou melhor



Sergei Lavrov, o eterno ministro dos estrangeiros da Rússia, tem desempenhado um papel odioso, dando cobertura aos massacres do regime de Assad com argumentos infantis e levianos, apenas partilhados (intermitentemente) pela China - que em termos de direitos humanos não tem nada para nos ensinar. 


Mas finalmente ele jogou uma cartada forte, que nos faz recordar a sua prestação mais competente noutros tempos, que lhe deu fama de diplomata astuto no mundo inteiro. 


Várias vezes os EUA  e seus aliados acusaram o Irão de ser cor-responsável pelas atrocidades do regime sírio. E têm toda a razão, como sabemos. A velha raposa Lavrov inverteu o argumento a seu favor: por isso mesmo é indispensável que ele faça parte das negociações para a paz na Síria. Os países que desejam ver o fim do regime dos Assad ainda não tiveram resposta à altura. 


É de calcular que algum velho mestre russo de xadrez tenha jogado recentemente com Sergei Lavrov.

9.6.12

Mulheres agredidas na praça tahrir



Aquela revolta quase ingénua de jovens querendo liberdade, modernização, via-se que era um sonho sem rumo, sem futuro. A pouco e pouco - era de prever - os islamitas (melhor organizados, com mais dinheiro e popularidade assegurada) foram tomando conta da 'revolução' e transformando-a no contrário do que ela parecia ser. 


Como têm, de resto, tentado após outras 'primaveras árabes', eles irão fechando o círculo das liberdades a pouco e pouco, desfazendo os mitos da igualdade no tratamento entre homens e mulheres, acabando com prazeres 'ocidentais', enfim, tentando fechar o país num convento forçado e levando-o a regredir como tem acontecido em vários outros países e foi caso extremo o Afeganistão. 


Enquanto distraem a população com o veredito de Mubarak e tentam manipular a multidão para impedir o candidato Shafiq de concorrer (ele, que já provou ser popular na votação anterior), começaram vários ataques e cercos aos impulsos mais nobres, abertos e modernizantes da revolução egípcia. 


Começaram a aparecer - sobretudo na simbólica Praça Tahrir - grupos de homens que assaltam, espancam e abusam sexualmente das mulheres. Mulheres que resolveram manifestar-se contra isso, rodeadas por um cinturão de homens que pretendiam protegê-las, foram agredidas, apalpadas, encurraladas contra grades até conseguirem refugiar-se num prédio próximo. 


Começam, portanto, a revelar-se os métodos que as irmandades muçulmanas e afins usarão para levar a cabo a imposição radical e estreita de uma 'lei islâmica'. O método é o da violência, claro. Como no Irão, como nas ditaduras todas. 


Ironicamente é mesmo Ahmed Shafiq a única pessoa que, neste momento, pode salvar a revolução que tentou evitar. E agora percebemos porque o regime não queria abrir-se desta forma e sob esta pressão: antigos aliados que passaram a odiar-se, os militares e os islamitas conhecem-se bem. E não se suportam. 


No meio ficam os jovens liberais, que não deviam ter avançado sem terem meios, organização, popularidade, enfim opinião favorável e forte o suficiente para evitar o desaire total da sua revolução - que vai ser já na próxima eleição consumado. 


Há países onde o Google e a Internet ainda não mobilizam maiorias.