6.9.21

Estilo e verdade


O estilo é o homem, sem dúvida. Não sei se todos entendemos a amplitude e a amplidão do aforismo de Bouffon. Ele escreveu isso num tratado sobre o Estilo (o Discurso sobre o Estilo, de 1753). Aí ele também diz, algumas linhas abaixo: 

porque só a verdade é duradoura e, inclusive, eterna. Ora um belo estilo só é tal, de facto, pelo número infinito das verdades que expõe. Todas as belezas intelectuais que nele se encontram, todas as relações de que ele é composto, são outras tantas verdades igualmente úteis, e talvez mais preciosas para o espírito humano do que aquelas que podem constituir o fundo do tema.

Para compreendermos a amplidão da sua verdade precisamos conhecer a poética envolvente, segundo a qual a tríade Belo, Bom, Verdadeiro é que fazia o estilo do homem sublime. 

Hoje os políticos usam, cada vez mais, uma raspada imitação do aforismo, concentrando em duas ou três frases uma simulação de verdade. Essas frases são como a bebida que se toma de um trago e deixa efeito imediato forte. O efeito esgota-se rápido e precisamos de outro shot (tiro) logo a seguir. Os intriguistas conhecem também tal tipo de frase e a necessidade constante de reposição de shot's. A verdade não é o que interessa, mas a continuidade do efeito imediato enquanto ele for útil. Como dizem num provérbio muito influente que esconde bem a sua fraqueza, em política o que parece é. Desconfio que deixa de ser ao fim de pouco tempo e se esquecem dessa parte. 

Esse estilo não é o homem, ele indicia apenas um mentiroso, porque não traz verdades, alude a possíveis acontecimentos cuja verificação dispensa de bom grado. Esse estilo, comum nos twitter's e afins, não é o homem porque esse homem é uma simulação para alimentar simulações.

O efeito imediato parece o de um homem que personifica um estilo, mesmo que raso, forte. Mas é forte só na sugestão imediata (antes aparecia o mesmo perfil um pouco mais rebuscado nas conversas de café: a gente chegava a casa, pensava com calma e tento, e a verdade dita no café se esfumava com o frio). 

Quando esse político atinge o poder, um homem sem verdades, vacila, derrapa, emenda, grita, aponta o dedo aos outros como se ainda estivesse na oposição, atropela, arrasa, dizima se puder, para mascarar a realidade das inconsistências e das incompetências acumuladas. Porque o homem não tinha, afinal, estilo, apenas uma simulação de estilo. Se puder, esse homem instaura uma ditadura (ou uma democracia musculada) para proibir o que a realidade escancara: a falta de verdade do falso aforismo. E a musculação se mostra típica da falta de estilo. Um homem com estilo era Obama; um homem sem estilo, Trump. O primeiro sobreviveu aos seus erros; o segundo não conseguiu reeleger-se (fenómeno incomum nos EUA).

Esses homens sem estilo são populistas. Sobretudo quando não se rodeiam de pessoas competentes e não as deixam exercer a sua competência. Se a liberdade se mantém, eles desaparecem. Por isso precisam de muscular a política, identificar adversários e combatê-los ferozmente (com a ferocidade de outros homens). 

O estilo faz-se do homem, das verdades do homem. Constitui, portanto, grave indício que um homem não tenha estilo. E isso é fácil de ver. 


4.9.21

Aforismo do lixo

 

Toda a identidade gera seu lixo. Que não resolve. Revolve-se. 

Conforme o poder se afina, mais a identidade se define, porque é identificando que o poder se afina. 

Quanto mais a identidade se define mais aumenta a montanha de lixo. 

Que não se resolve. Revolve-se. E entra em combustão.