22.11.19

Israël : Benyamin Nétanyahou dénonce « un coup d’Etat » après son inculpation


À direita, ao centro, à esquerda - são todos iguais, em todos os continentes. Assim que os apanham em falso, assim que lhes descobrem práticas ilegais, os governantes denunciam um golpe de Estado ou coisa muito parecida, impugnam a Justiça se os investiga, ameaçam com a força se tiverem poder suficiente, apontam o dedo a todos os outros para ver se as pessoas deixam de olhar para a sujeira em que se meteram. 

Rejeitá-los é uma questão política e moral, mas acima de tudo estética: são grotescos e querem parecer finos, enfeiam-se, são todos maus atores e dramatizam excessivamente o seu papel, o que fazem na realidade é muito mais feio, grotesco, mal representado - e não revelam qualquer imaginação. Dá até saudades dos 'bons malandros'...


Israël : Benyamin Nétanyahou dénonce « un coup d’Etat » après son inculpation: En refusant de démissionner, le premier ministre israélien a allumé un brasier en guise de contre-feu : il entend faire publiquement le procès de ses juges et des enquêteurs.


4.11.19

Aforismo bipartidário


A esquerda civiliza a direita (não sendo imposta por militares como sucedeu com o chavismo na Venezuela) e a direita disciplina a esquerda (não sendo imposta por um bando semi-armado e semi-legal como o bolsonarista no Brasil). Fora deste jogo funcional, as oposições e as alternativas de governo só podem ser ou falsas ou maniqueístas - em ambos os casos, prejudiciais. Se a esquerda não serve para civilizar e a direita não serve para disciplinar, ou o contrário se preferem, o jogo bipartidário, bi-ideológico, não tem razão de ser e a batalha política é a batalha do lixo.


13.6.19

Adivinha argentina

...sobre cavalinhos, cavaletes e cavalões: Um cavalo com duas cabeças, uma cabeça com dois cavalos e um cavalo sem cabeça.

12.6.19

Cada vez mais forte o regresso do tribalismo em África


Se é que vocês me entendem, este é o maior perigo para a África subsahariana num futuro próximo: o do tribalismo. Digamo-lo com todas as letras e sem rodeios.

Conforme os projetos nacionais vindos da luta pela independência falham; 

conforme o inimigo deixa de ser comum (o colonialismo); 

com a subsequente falha da própria constituição do Estado (porque fundado em projetos nacionais utópicos); 

o que regressa é a identidade étnica, suas fronteiras indefinidas e suas querelas milenares ou, pelo menos, seculares. 

As elites urbanas e transétnicas vão se resumindo a quase nada, perdem qualquer peso, ou influência, fora do círculo restrito em que existem. As antigas chefias reconstroem-se com o vigor de outros tempos, embora inseridas em novas dinâmicas económicas que podem chegar a integrar tráficos de armas, pessoas e drogas (como parece ser o caso da Guiné-Bissau e de parte do Mali); os seus interesses chocam-se novamente e recomeçam os combates tribais, étnicos, ou melhor, das antigas nações, das antigas unidades políticas pré-europeias e hoje pós-europeias. O que virá daí? Territórios ingovernáveis? Novas unidades políticas? Novas estruturações transétnicas e tendencialmente imperiais? um sem fim de guerras civis ou regionais? Não sei. Mas não vai ser fácil nem, creio, bom.

Esta notícia tirei do Le Monde de hoje: 

6.4.19

Karl Marx, Questão Judaica e o socialismo dos tolos



A teia de relações políticas, de preconceitos identitários, padrões sociais e práticas económicas que esteve na base do nacionalismo antissemita e, em parte, socialista (do partido nacional-socialista alemão, mas não só, como veremos) é muito complexa e o antissemitismo alemão é muito antigo, profundamente radicado, abrangendo várias opções político-partidárias no século XIX e princípios do seguinte. Pouco importa, para falar da origem da questão, pouco importa que depois os socialistas se tenham arrependido. Ainda bem que o fizeram, mas não deixaram - alguns deles - de estar na base do problema. 


Alinhavei diversas informações para repensarmos a questão tal como se foi colocando no 'século liberal'. Começo por Karl Marx, no famoso A questão judaica:

O judeu se tornará impossível tão logo a sociedade consiga acabar com a essência empírica do judaísmo, com a usura e suas premissas. O judeu será impossível porque sua consciência carecerá de objeto, porque a base subjetiva do judaísmo, a necessidade prática, se terá humanizado, porque se terá superado o conflito entre a existência individual-sensível e a existência genérica do homem.
A emancipação social do judeu é a emancipação da sociedade do judaísmo." (no sentido de a sociedade se livrar do judaísmo, ou seja, da usura e suas premissas). 

(Karl Marx, A questão judaica

Marx tenta livrar as pessoas de ascendência judaica de uma condenação pela ascendência, passo importante que podia evitar, por exemplo, as câmaras de gás... Mas a definição que ele dá do judeu será rigorosa, precisa, correta? Não será também uma visão preconceituosa e negativa?

O contexto no qual o antissemitismo alemão foi progredindo, parece-me que nos interessa tanto quanto o pensamento político da época. Uma data a recordar ainda: a quebra da bolsa em Viena, Alemanha e EUA, em 1873. Claro que os judeus haviam de ser responsabilizados, visto que se conotava o judaísmo com a especulação bolsista, os empréstimos a juros, etc.. Foi mesmo o que sucedeu: políticos populistas, oportunistas, assestaram logo baterias contra o demónio semita.

Outros antecedentes, entre os que vale a pena recordar: 

  • Friedrich Rühs (1779-1820), defendia que a emancipação dos judeus contrariava os princípios cristãos e germânicos e que os judeus deviam ser extirpados da nação alemã;
  • Ernst Moritz Arndt (1769-1860), nacionalista e liberal, achava os judeus putrefactos e degenerados, excluindo qualquer possibilidade de se misturarem com a nação alemã;
  • Jacob F. Fries (1773-1843), seguidor de Kant, crítico de Fichte e de Hegel (caros a Marx), defendia que os judeus eram estrangeiros e, portanto, deviam ser expulsos e, "porque não, eliminados".
  • Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), num texto sobre a revolução francesa, de 1783, mostra um exacerbado antissemitismo, achando que os judeus eram um perigo para a nação alemã, constituindo (imagine-se!) um Estado dentro do Estado.
  • Heinrich Heine, famoso poeta alemão ligado ao Romantismo, publicou em 1840, após o pogrom de Damasco (isso mesmo: a capital da Síria), O Rabi de Bacherat, alertando contra a gravidade dos ataques aos judeus e tentando desmontar os preconceitos contra eles. Palmas para o poeta!
  • 1890: criada uma Associação de defesa contra o antissemitismo, dada a pressão cada vez maior dos antissemitas e a sua influência crescente.
  • Adolf Stoecker (1835-1909), capelão do II Reich, era um antissemita radical e antiliberal. Sublinhava: "judeu, assassino de Cristo."
  • Criou um partido antissemita, o Partido Trabalhista Social-Cristão, em 1878, procurando atrair o voto socialista também.
  • Outro partido antissemita, o Deutschsoziale Partei, foi criado em 1890, integrando Lagarde, outro pensador alemão antissemita. Lagarde e Düring (1833-1921) defendiam a expulsão dos judeus da Alemanha.
  • 1894: criada a União Geral de Todos os Alemães, poderoso partido antissemita.
  • Ferdinand August Bebel (1840-1913), importante figura do começo da socialdemocracia alemã e fundador do (ou da) SPD, defensor da extensão do direito de voto a todos os homens e mulheres e crítico do antissemitismo, afirmava: "o antissemitismo é o socialismo dos tolos".
  • Alwahrdt publica, em 1890, A batalha desesperada dos povos arianos contra o judaísmo alemão. Note-se que os judeus eram uma escassa minoria da população da Alemanha.
  • Em 1892, o partido antissemita aproxima-se dos conservadores (Hitler fará o mesmo mais tarde, com o mesmo sentido estratégico) e, nas eleições deste ano, recebe apoio secreto do governo
  • O político austríaco Karl Luëger cria o Partido Social-Cristão, antissemita, com o mesmo fito de juntar o voto cristão e o voto socialista contra os judeus.
  • Leia-se a tese de Miriam Oelsner sobre as origens do nacional-socialismo alemão, de onde algumas destas informações foram tiradas.
  • Leia-se, ainda, este trabalho original sobre migrações de lituanos e judeus e posições políticas de socialistas-nacionalistas lituanos e de judeus, no fim do século XIX e princípio do século XX.
E continue-se a pesquisa, porque há muito mais a saber e a levantar para se compreender as raízes próximas e longínquas do antissemitismo alemão, bem como de alguns dos seus derivados.


Comentário muito posterior: conhecem um livro chamado Socialismo fascista, de Drieu La Rochelle? Convém confrontar com todo este historial. 
 

1.4.19

Brasil: a ditadura militar


... Foi isso mesmo: ditadura, e quem está do lado da liberdade não pode estar do lado da ditadura. 

Passados 55 anos sobre o golpe militar, destituindo um presidente legítimo, o Brasil repensa agora aquele sistema militarizado. Sob a pressão de uma opinião pública desorientada, sobretudo em face do aumento da criminalidade, da corrupção política e da má gestão de recursos comuns, a discussão tem sofrido uma redutora perspetiva partidária. Uns são, timidamente (se excetuarmos o presidente), a favor e, sobretudo, tendem a idealizar os resultados benéficos do sistema implantado pelos militares. Outros são simplesmente contra porque era 'a direita', 'o fascismo' e toda uma série de lugares-comuns de que a maioria da população se alheou, ao ponto de votar num confesso admirador da ditadura.

Perante um tal cenário, vale a pena pensar mais a frio, ser mais objetivo e julgar o sistema instalado pelos militares a partir dos seus próprios pressupostos e das metas que se propunham alcançar - usando qualquer meio para atingir o fim.  

Talvez a principal justificação fosse a de combater o comunismo. Mas havia maneiras e estratégias para combater o comunismo sem ser por via ditatorial. As eleições presidenciais avizinhavam-se, com bons candidatos, incluindo um cujo nome se ligava a Brasília e a um primeiro 'milagre económico' brasileiro. Por outro lado, a extrema-esquerda era tanto mais ativa quanto mais minoritária, impetuosa e fácil de desarticular, com firmeza mas em liberdade. 

A ideia que fica, sobretudo se compararmos com outros golpes, de direita e de esquerda, dados pouco antes de haver eleições, é a de que a luta contra o comunismo era o alibi para impedir as eleições e realizá-las mais tarde, já com total controlo da vida política por parte dos militares vitoriosos. Assim foi, num tempo ainda recente, a fracassada tentativa de golpe no Mali. Recordam-se?

Para contrastar, recordemos o que se passou em França 4 anos depois, com o Maio de 68, como ficou conhecido. E como ela contornou e superou o problema sem chegar a criar uma ditadura. Havia outros caminhos, incluindo no Brasil e mesmo mantendo João Goulart no poder. 

A gota de água para a deslealdade dos militares terá sido a insubordinação promovida pela extrema-esquerda no seio das próprias Forças Armadas, questionando a sua hierarquia e tentando subvertê-la. Os islamitas fizeram o mesmo no Egito, há poucos anos, e a resposta foi similar. Mas havia maneira de cortar essa desestruturação pela raiz, em ambos os casos, sem se construir uma ditadura. Os militares podiam, em último recurso, fazer um ultimatum ao presidente eleito: ou deixava que eles repusessem a ordem e a hierarquia nas Forças Armadas, não interferindo em nenhum aspeto no que se passasse nos quartéis, ou o demitiam e antecipavam as eleições. Por exemplo isso podia ser feito, mas havia mais caminhos. A luta contra o comunismo e a instabilidade nas Forças Armadas não implicava, por consequência, o golpe nem a instauração de uma ditadura militar.

O processo conduzido nessa altura pela extrema-esquerda foi praticado em todo o mundo, usado por outras forças não democráticas. Foi o caso, de que já falei, do islamismo radical no Egito, muitos anos mais tarde. O processo consiste em desestruturar as hierarquias e salvaguardas de uma dada sociedade para, entre as ruínas fumegantes, iniciar um novo sistema político intensamente centralizado. Sem defesa, paralisada pela desestruturação, a sociedade não consegue reagir e a única força que se mantém organizada (aquela que desestrutura, sob uma programação central) implanta a sua 'ordem', que termina com o caos em nome do futuro. 

Antes que a extrema-esquerda instaurasse a sua 'ordem', uma segunda justificação era, portanto, a de acabar com o 'caos' e reinstalar a 'ordem' vigente, para que a sociedade acalmasse, os empresários recuperassem a confiança nas instituições e a economia voltasse a crescer. Assim o golpe, justificando-se pelo combate ao comunismo e ao caos, aparecia como um interregno para 'limpar' o campo político-social e depois se voltaria à democracia. Conhecemos, também, tais interregnos ao longo da história. Por exemplo aquele que, em poucos anos, levou Salazar ao poder em Portugal, instaurando uma ditadura pessoal que prolongou o interregno por quase 50 anos.

Ora o golpe não se constituiu como operação de saneamento público, antes prolongou-se por demasiado tempo, criou estruturas ditatoriais e semiditatoriais (o bipartidarismo forçado) definitivas, criou e fortaleceu mecanismos de repressão política e armação legal para a sua ação, tudo indicando que a partir daquele momento seria sempre assim. Enquanto o fez e por que o fez, o golpe aumentou, também, a simpatia pelos comunistas e socialistas, pois os que aspiravam à liberdade associavam 'a direita' à ditadura e, portanto, só na esquerda podiam ver um caminho de libertação. Ora, a esquerda era o socialismo ou o comunismo. 

Até aqui verificamos que os alibis então vulgarizados para justificação do golpe eram só mesmo isso e que o combate militarizado ao comunismo, com recurso a prisões, mortes e tortura, não reduzia a adesão dos jovens aos partidos de esquerda e de extrema-esquerda. O primeiro objetivo estava gorado.

Quanto à recuperação económica, houve alguma num primeiro momento, como seria de esperar (instaurou-se alguma ordem, o Estado favorecia o empresariado, o nacionalismo dos militares criou ou desenvolveu grandes empresas e monopólios estatais que ajudaram a criar empregos, os novos governantes eram muito menos corruptos ou não o eram de todo, as benesses dos políticos diminuíram). 

Mas o que se viu, passados alguns anos, quando se começaram a sentir as consequências de médio e longo prazo, foi exatamente o contrário: a inflação atingiu níveis insuportáveis (e a crise internacional não justifica tudo), o desemprego também, a classe média e o pequeno empresariado sucumbiam sob uma carga de impostos brutal e os governos militares não conseguiam resolver o problema. O mesmo produto, comprado no regresso a casa depois do trabalho, estava já mais caro do que pela manhã. Os preços disparavam, a moeda caía sem fundo e quase quotidianamente face ao dólar, os salários não compensavam de maneira nenhuma a inflação. Uma das consequências foi, dificilmente não seria, a do aumento da criminalidade - a mesma que os bolsonaristas acreditam que terminaria se houvesse nova ditadura militar.

Nos anos 70, quem não se lembra dos 'trombadinhas' em São Paulo, por exemplo? Não foi no tempo da ditadura? Em pleno centro da cidade? Quem não se lembra do aumento generalizado da insegurança nas grandes cidades, com assaltos constantes à mão armada? Foi nesse tempo que as prisões começaram a sobrelotar-se com criminosos de delito comum, deram-se os primeiros grandes motins lá dentro e o sistema repressivo tinha dificuldades em controlar essa situação também. 

Em resumo: nem economicamente nem socialmente a ditadura foi capaz de estabilizar o país, pelo contrário, os problemas aumentavam, a crise social intensificava-se e a criminalidade generalizava-se. 

Por outro lado, a corrupção dos políticos no sistema bipartidário foi-se generalizando também, mesmo quando escondida pela censura. Foi nessa altura (anos 70, sobretudo a partir de 1975) que a corrupção partidária e política se recomeçou a espalhar, mostrando que não seria a repressão a resolver o problema. 

O golpe não dera, portanto, os resultados esperados. Os objetivos não foram atingidos. Cada vez menos havia justificação para manter o sistema repressivo e cada vez mais aumentava a contestação popular. Os militares não tiveram outro remédio senão preparar a retirada gradualmente. O aumento da contestação interna, da pressão externa, do desemprego, dos impostos e o agravamento da situação económica e da insegurança nas cidades tirava-lhes o tapete debaixo dos pés, comprometia a sua imagem pública e prenunciava um fim difícil para os golpistas que, a qualquer momento, podiam não conseguir controlar mais a situação, já bastante perturbada por manifestações cada vez maiores, cada vez reunindo mais gente e cada vez mais difíceis de conter.

Foi sobretudo por isso que se retiraram. Ou seja: a própria ditadura concluiu que não tinha soluções e, portanto, não podia continuar. Havia que fazer uma retirada estratégica e salvaguardar algum do prestígio restante. 

Daí a pergunta: como defender uma ditadura que, ela própria, concluiu que não servia, ela própria acabou por se desfazer e sem conseguir resolver nenhum dos problemas do país? É só o desespero das pessoas perante a situação em que o Brasil se encontra que justifica o seu voto num candidato que diz defender a ditadura. Mas ele é tão inepto, inexperiente, desastrado e grosseiro que não creio que hoje viesse a ganhar alguma eleição e os próprios militares o estão avisando continuamente. Ou lhes dá espaço para (mais uma vez) reporem 'ordem' (por agora só no governo), ou não garantem mais nada. Mas eles, uma vez mais, também não têm qualquer solução. Só a velha crença de que 'forçando se consegue' os manterá credíveis ... até ao momento em que forcem e, depois, sejam forçados - a sair, claro, pela porta das traseiras.


12.3.19

Internet e liberdade - 30 anos - entrevista de Tim Berners-Lee


A cidadania internacional passa hoje pela 'web'. Criada como um sistema de comunicação em aberto, por isso ela se tornou tão rapidamente importante, mas também tão diversa e tão perigosa. O que, por um lado, reforça a tese de que são as criações em aberto que fazem avançar a humanidade, portanto os sistemas políticos onde há mais liberdade e participação. Por outro lado, somos humanos...

30 anos depois da sua criação fazia todo o sentido esta entrevista. Aumentado o sentido pela qualidade das respostas do fundador da rede. Algumas delas e o Contrato de que fala, só assim, não passam de boas intenções. Mas Tim Berners-Lee toca em alguns pontos sensíveis das discussões atuais sobre a rede mundial a partir de um ponto de vista tecnicamente assistido. Isso permite esclarecer alguns pontos, dar um sentido próprio a projetos de que desconfiamos e, também, apontar algumas medidas concretas para resolver, pela informática e não por leis, alguns dos problemas que foram surgindo. Fico, ainda assim, desconfiado sobre medidas como a de monitorar o 'humor' dos usuários (facebook) para punir os 'maus' ou prejudiciais e premiar os 'bons'. É que isso continuará o 'pau de dois bicos' em que estamos e se, para combater as ameaças, temos de integrá-las num sistema de zeros e uns, estamos perdidos, a realidade humana é muito mais complexa do que isso. Daí que muitos usuários do facebook, por exemplo, sejam traídos pelos automatismos morais entretanto programados e se revoltem, justamente, contra o que passa a ser uma forma de censura. Seria preciso, por exemplo, que a programação conseguisse descobrir se comportamentos perigosos (e não simplesmente a colocação de 'nús') estavam ligados indiretamente a empresas, interesses, prostituições, ou se são mera arte e partilha (e nesse caso há maneiras de partilhar em privado).

O problema é que a própria 'web' é um 'pau de dois bicos' e não deixará de ser. Ao proporcionar uma comunicação livre e aberta entre seres humanos ela se tornaria um palco privilegiado da humanidade, o seu espelho mais fiel nos nossos dias. O que está pior, nela, não é a rede mas os usuários da rede que a aproveitam para o mesmo que fazem no dia-a-dia fora dela. Pode haver 'truques', programas, estratégias e antecipações que ajudem a limitar esses comportamentos, ou mesmo a inibi-los ou neutralizá-los (é, na verdade, melhor neutralizar efeitos que inibir os comportamentos), mas o ser humano que mexe ali é o mesmo. E os políticos não resistiriam a controlá-lo, também, através da 'web' e a balcanizá-la. 


Sendo reconfortante sabermos que o fundador da rede mundial não perdeu o sentido aberto e saudável da sua criação, precisamos, ainda assim, de saber usá-la para rebater 'o mal', ou seja, as ameaças à nossa liberdade e, portanto, àquilo que somos quando não estamos constrangidos e não agredimos os outros. Será possível? Acredito que só mesmo pela criatividade de programadores e informáticos podemos assegurar a circulação universal de ideias e partilhar as nossas aprendizagens livremente e com menos riscos. Mas também acredito que a lucidez de cada um ajuda bastante.


O ponto fundamental continuará a ser este: a pessoa. Se a pessoa não muda, nada mais muda. Por isso era igualmente importante que a transformação pessoal fosse autónoma e autorregulada, para não dar azo, ainda aí, à manipulação de personalidades frágeis. Essa é uma tarefa a que podemos dar início já, cada um de nós, por si.





30 ans du Web : « Il n’est pas trop tard pour changer le Web », affirme Tim Berners-Lee

28.1.19

fascismo e nazismo


Nem nas suas origens, nem na constituição do Estado, ou no modelo de Estado, estes dois sistemas coincidiram, não se podendo falar dos dois sem os diferenciar. Em comum eles partilham uma origem socialista, uma leitura inicial do momento em que viviam sob a perspetiva da luta de classes. Isso, porém, também não surgiu da mesma maneira em cada país.

Mussolini esteve profundamente empenhado no movimento socialista, Hitler não. Mussolini articulou interesses de maneira a tomar o poder e disse que tinha feito uma marcha sobre Roma, ao que parece um tanto mítica, mas conduziu-se, de qualquer modo, como um Chefe (e a mitificação do chefe não é um exclusivo da direita nem da esquerda - veja-se a idolatria de Lenin, de Stalin e de outros santos). O Chefe, porém, encarnado em Mussolini (com maiúscula, claro!) seguia uma estratégia simultaneamente política e militar (ou pelo menos guerrilheira, ou paramilitar). Hitler tomou de assalto algumas cervejarias e discursava acendendo rancores e frustrações trazidos com a derrota alemã na I Grande Guerra, onde ele próprio não desempenhou nenhum papel de relevo. Um era ativo, ou proativo, o outro reativo. Um trabalhava um projeto de cuja conceção participava; o outro aproveitava ressentimentos existentes e difusos para subir ao poder. O primeiro, apesar de tudo, foi menos destrutivo que o segundo e foi subalternizado por Hitler. 

O nazismo baseou-se na fusão entre o conceito de luta de classes e o conceito de luta de nações e, ainda, o de luta de etnias - se pudermos chamar os alemães de etnia, tanto quanto os judeus o foram na Alemanha (cientificamente seria difícil de justificar), ou os ciganos. A versão era, em resumo, esta: a nação alemã, maioritariamente constituída e preservada pelo operariado pobre, estava humilhada, empobrecida no seu próprio país (excetuando alguns membros da elite corrompida com o dinheiro da burguesia judaica); pelo contrário, os semitas (reduzidos a 'os judeus'), em triunfo sobre os escombros da guerra, detinham todo o poder económico e exploravam a classe operária, ou seja, os alemães, abafando inclusivamente a sua cultura, afirmativa, gloriosa, alegre, dando como alternativa produções artísticas doentias, melancólicas e decadentes. Acabar com a burguesia e prosseguir um projeto socialista implicava acabar com os judeus, exterminá-los completamente na Alemanha, que só então seria uma nação livre de exploradores. E, para que a limpeza fosse completa, da antiga elite alemã ficariam só os que fossem capazes de abandonar definitivamente qualquer laço ou lassidão para com os judeus. A burguesia, por sua vez, como também a elite militar, haviam de subjugar-se ao projeto nacional-socialista para se manterem no ativo. O partido controlaria e determinaria o mínimo passo a dar. E deu no que deu: uma derrota estrondosa, uma falta de estratégia gritante e o massacre inútil e massificado de milhares de inocentes em nome da 'raça' ...que terá derrotado os 'verdadeiros alemães' outra vez.

Isto é brutal, mas veio repetindo-se em várias partes do mundo até hoje, embora sem câmaras de gás e mudando os nomes de alemães e judeus. O extermínio dos tutsis no Ruanda legitimava-se, mutatis mutandis, por sofismas e conotações deste género.

O fascismo, neste quadro, diferenciava-se do nazismo. O fascismo entendeu que a luta de classes dividia a nação e, portanto, sem deixar de fazer uma leitura classista da sociedade italiana, tentou construir um Estado corporativo onde estivessem representadas as várias classes, agora vistas como 'forças vivas' que, juntas, formariam o facho da grande Itália e a reconduziriam à glória do Império Romano. Uma autêntica paranóia, sem dúvida - mas que, ainda assim, permitiu a sobrevivência, durante alguns anos, de uma república anárquica de artistas e poetas encravada numa das suas fronteiras.

É certo que, num caso quanto no outro (e à semelhança do que na prática sucedeu nos países comunistas), havia um partido que neutralizava ou abolia o multipartidarismo e tomava sozinho conta da Nação, fosse qual fosse o modelo de Estado, que ficaria sempre subjugado ao Partido. Isso desvirtuava a diferença e facilitou o domínio dos alemães, hipermilitarizados, precisos e autocensurados, sobre os italianos, intuitivos, imprecisos e indisciplinados. Esse domínio, como sabemos, permitiu que Mussolini tivesse ainda um último fôlego, servindo apenas de capacho para as botas alemães que iam lá buscar judeus. O nacionalismo italiano tinha sido esmagado pelo nacional-socialismo alemão e com a ajuda do próprio Duce, que não se matou como Hitler, morreu pendurado de cabeça para baixo pelos restantes italianos. 

Uma segunda diferença deriva da génese da ideia que veio presidir ao nazismo. Ela nasceu dentro do que se chamava 'o socialismo alemão', quando Hitler apenas havia completado 4 ou 5 anos, ou mesmo antes. No III Congresso dos 'socialistas alemães' - assim referido num jornal de Benguela (Angola) em 1892, ou 1893 - eles teriam decidido incluir no cardápio os judeus à sobremesa, ou seja, eles fizeram a tal confusão do conceito de burguesia com a etnia judaica e do conceito de proletariado com a nação alemã e a etnia ariana. Hitler usou, portanto, um cardápio já criado. Mussolini, pelo contrário, participou da criação da ideia que lhe dirigiu o poder e não punha a tónica na exterminação de uma etnia, mas na organização corporativa do Estado, devidamente dirigido pelo seu Duce, isto é, Comandante, e com a burguesia subordinada aos interesses considerados nacionais, quer pela Assembleia da Corporação e do Fáscio, quer pelo Grande Conselho Fascista, que incluía o Presidente da Academia. 

São diferenças significativas e que nos impedem de confundir os dois tipos de sistema político-partidário, como também nos deviam impedir de chamar, indiferentemente, nazi ou fascista à mesma pessoa, só porque ela não é nem democrata nem comunista. Mas também não podemos limitar a génese dos dois sistemas à sua origem socialista. Isso é redutor e inexato, embora seja parcialmente verdadeiro (nesta parte que venho de mencionar). 

Dito o que, declaro que não sou nem fascista, nem nazi, nem comunista e que tenho sérias dúvidas sobre a democracia tal como ela se nos apresenta hoje: partida, partidária e tendencialmente dirigista. 





18.1.19

O assassinato e o pacifismo - Rosa Luxemburg

Le Monde - Idées

"Le 13 juin 1919, une foule considérable accompagne dans les rues de Berlin la dépouille d’une femme repêchée le 31 mai et identifiée comme celle de Rosa Luxemburg.Le recueillement populaire se mue en manifestation de masse. C’est la seconde inhumation de cette militante socialiste et théoricienne marxiste puisqu’un cercueil vide à son nom avait été porté en terre le 25 janvier, avec les corps des 32 autres victimes de la répression du soulèvement spartakiste, comme elle assassinées le 15 janvier. 

Rosa Luxemburg fut victime des corps francs chargés, par le ministre SPD de la défense Gustav Noske, d’écraser l’insurrection que le député socialiste gagné au communisme Karl Liebknecht (1871-1919) avait déclenchée. Rosa est une « martyre » du communisme naissant, un peu malgré elle puisqu’elle juge la révolte prématurée : elle la soutient par loyauté envers son ami, titrant amèrement son dernier article publié le 14 janvier dans Die Rote Fahne (Le Drapeau rouge), le quotidien spartakiste, « L’Ordre règne à Berlin ». Martyre donc mais martyre encombrante. 

Pacifiste intransigeante, elle se défie de l’autoritarisme léniniste, condamne la terreur bolchevique,  et si son nom est donné dès 1921 à une ville géorgienne, Staline dénonce sa critique de la révolution d’Octobre et l’exclut de la galerie des phares du marxismereconnus par l’Internationale communiste."

https://www.custojusto.pt/evora/livros/rosa-luxemburg-introd-economia-politica-ii-26820127