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6.4.19

Karl Marx, Questão Judaica e o socialismo dos tolos



A teia de relações políticas, de preconceitos identitários, padrões sociais e práticas económicas que esteve na base do nacionalismo antissemita e, em parte, socialista (do partido nacional-socialista alemão, mas não só, como veremos) é muito complexa e o antissemitismo alemão é muito antigo, profundamente radicado, abrangendo várias opções político-partidárias no século XIX e princípios do seguinte. Pouco importa, para falar da origem da questão, pouco importa que depois os socialistas se tenham arrependido. Ainda bem que o fizeram, mas não deixaram - alguns deles - de estar na base do problema. 


Alinhavei diversas informações para repensarmos a questão tal como se foi colocando no 'século liberal'. Começo por Karl Marx, no famoso A questão judaica:

O judeu se tornará impossível tão logo a sociedade consiga acabar com a essência empírica do judaísmo, com a usura e suas premissas. O judeu será impossível porque sua consciência carecerá de objeto, porque a base subjetiva do judaísmo, a necessidade prática, se terá humanizado, porque se terá superado o conflito entre a existência individual-sensível e a existência genérica do homem.
A emancipação social do judeu é a emancipação da sociedade do judaísmo." (no sentido de a sociedade se livrar do judaísmo, ou seja, da usura e suas premissas). 

(Karl Marx, A questão judaica

Marx tenta livrar as pessoas de ascendência judaica de uma condenação pela ascendência, passo importante que podia evitar, por exemplo, as câmaras de gás... Mas a definição que ele dá do judeu será rigorosa, precisa, correta? Não será também uma visão preconceituosa e negativa?

O contexto no qual o antissemitismo alemão foi progredindo, parece-me que nos interessa tanto quanto o pensamento político da época. Uma data a recordar ainda: a quebra da bolsa em Viena, Alemanha e EUA, em 1873. Claro que os judeus haviam de ser responsabilizados, visto que se conotava o judaísmo com a especulação bolsista, os empréstimos a juros, etc.. Foi mesmo o que sucedeu: políticos populistas, oportunistas, assestaram logo baterias contra o demónio semita.

Outros antecedentes, entre os que vale a pena recordar: 

  • Friedrich Rühs (1779-1820), defendia que a emancipação dos judeus contrariava os princípios cristãos e germânicos e que os judeus deviam ser extirpados da nação alemã;
  • Ernst Moritz Arndt (1769-1860), nacionalista e liberal, achava os judeus putrefactos e degenerados, excluindo qualquer possibilidade de se misturarem com a nação alemã;
  • Jacob F. Fries (1773-1843), seguidor de Kant, crítico de Fichte e de Hegel (caros a Marx), defendia que os judeus eram estrangeiros e, portanto, deviam ser expulsos e, "porque não, eliminados".
  • Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), num texto sobre a revolução francesa, de 1783, mostra um exacerbado antissemitismo, achando que os judeus eram um perigo para a nação alemã, constituindo (imagine-se!) um Estado dentro do Estado.
  • Heinrich Heine, famoso poeta alemão ligado ao Romantismo, publicou em 1840, após o pogrom de Damasco (isso mesmo: a capital da Síria), O Rabi de Bacherat, alertando contra a gravidade dos ataques aos judeus e tentando desmontar os preconceitos contra eles. Palmas para o poeta!
  • 1890: criada uma Associação de defesa contra o antissemitismo, dada a pressão cada vez maior dos antissemitas e a sua influência crescente.
  • Adolf Stoecker (1835-1909), capelão do II Reich, era um antissemita radical e antiliberal. Sublinhava: "judeu, assassino de Cristo."
  • Criou um partido antissemita, o Partido Trabalhista Social-Cristão, em 1878, procurando atrair o voto socialista também.
  • Outro partido antissemita, o Deutschsoziale Partei, foi criado em 1890, integrando Lagarde, outro pensador alemão antissemita. Lagarde e Düring (1833-1921) defendiam a expulsão dos judeus da Alemanha.
  • 1894: criada a União Geral de Todos os Alemães, poderoso partido antissemita.
  • Ferdinand August Bebel (1840-1913), importante figura do começo da socialdemocracia alemã e fundador do (ou da) SPD, defensor da extensão do direito de voto a todos os homens e mulheres e crítico do antissemitismo, afirmava: "o antissemitismo é o socialismo dos tolos".
  • Alwahrdt publica, em 1890, A batalha desesperada dos povos arianos contra o judaísmo alemão. Note-se que os judeus eram uma escassa minoria da população da Alemanha.
  • Em 1892, o partido antissemita aproxima-se dos conservadores (Hitler fará o mesmo mais tarde, com o mesmo sentido estratégico) e, nas eleições deste ano, recebe apoio secreto do governo
  • O político austríaco Karl Luëger cria o Partido Social-Cristão, antissemita, com o mesmo fito de juntar o voto cristão e o voto socialista contra os judeus.
  • Leia-se a tese de Miriam Oelsner sobre as origens do nacional-socialismo alemão, de onde algumas destas informações foram tiradas.
  • Leia-se, ainda, este trabalho original sobre migrações de lituanos e judeus e posições políticas de socialistas-nacionalistas lituanos e de judeus, no fim do século XIX e princípio do século XX.
E continue-se a pesquisa, porque há muito mais a saber e a levantar para se compreender as raízes próximas e longínquas do antissemitismo alemão, bem como de alguns dos seus derivados.


Comentário muito posterior: conhecem um livro chamado Socialismo fascista, de Drieu La Rochelle? Convém confrontar com todo este historial.