19.12.23

A tal ortodoxia

Apenas um apontamento: quando lemos a expressão "ortodoxia dominante", geralmente ela se refere a uma ortodoxia extinta e quem a usa insere-se numa ortodoxia que vem dominando a cultura euro-americana desde os finais da década de 1970.

Já sabemos: é mais fácil (aparentemente pelo menos) agredir um morto que um vivo. Que o digam Boaventura de Sousa Santos, por exemplo, ou Melenchon, etc., etc.... e até o Hamas, o Hezbollah, o Irão, as monarquias do Golfo, os Houtis e outros fundamentalistas islâmicos salvaguardados por uma esquerda paradoxalmente marxista, profana, vulgar, igualitária, que se diz ateia e vai cada vez mais aos misticismos do Oriente buscar o que matou na sua terra. Essa mesma esquerda que diz defender a liberdade e a justiça social e defende na prática regimes despóticos dominados por chefes populistas e oligarquias empresariais.


18.12.23

Cessar-fogo Coco Chanel entre Israel e Palestina defendido pela França

 Do Libération de hoje, 18.12.2023: 


Não visitou a Faixa de Gaza nem fez tal pedido ao Hamas e muito menos pediu que libertassem os restantes reféns para cessarem os combates. É a norma: malha-se em Israel e nas democracias, porque ali se pode fazer isso; nos outros países, onde há ditaduras, violências, violações (até 'constitucionais') dos direitos humanos, nenhum dos incomodados com as vítimas em Gaza, ou com migrações clandestinas, nenhum nem nenhuma vão lá falar, claro. 

Fazem lembrar aqueles meninos e meninas que vivem do dinheiro dos pais e passam o tempo todo a falar mal deles, a criticar o seu modo de vida, as suas práticas incorretas etc etc - como é bom viver assim, na cobardia de satisfazer os que nos amedrontam sacrificando os que nos beneficiam. 

E repare-se na demagogia: "cessar-fogo imediato e durável". O paraíso também, se possível, sendo o paraíso talvez uma loja Coco-Chanel muito limpa e bonita em todas as capitais do mundo. Esta gente dos gabinetes nem faz ideia do que seja uma guerra, combates, a necessária relação demoníaca do matar ou morrer numa situação como a das relações entre palestinos e israelitas. Israel, mesmo que o pretendesse, não conseguiria garantir um cessar-fogo "imediato e durável", porque o cessar-fogo seria quebrado pelo outro lado assim que recompusessem os reforços de armamento e reocupassem posições. Mas a senhora ministra está a falar para a imprensa do seu país ...e da Cisjordânia, onde foi depois visitar palestinos expulsos por colonos israelitas (o que me parece importante fazer, mas ela devia ter visitado igualmente as famílias das vítimas do 7 de outubro, não?). Enfim, passará ao Líbano para resolver (imagine-se, com o "importante papel" que a França pode desempenhar) as tensões entre o país do Cedro (um eufemismo, sem dúvida) e Israel. Que boa senhora, tão bem intencionada! A França está realmente muito fraca!


30.11.23

Morreu Kissinger, a velha raposa centenária.

Professor universitário muito respeitado; político prudente, cauteloso, hábil; diplomata no entanto controverso, que sabia que negociar implicava manter a presença militar forte nas frentes ativas; alemão judeu com visão pragmática e plena cidadania norte-americana. 

Seria preferível que, em alguns momentos, ele cedesse menos, apesar do cerco mais agressivo e eficaz da URSS e seus aliados aos EUA e seus aliados. Desconfio, porém, que, se não fosse a atuação dele nos anos '70, a política agressiva de Reagan não teria resultado tanto e tão rapidamente na derrota comunista. Na verdade, a sua diplomacia também enfraquecia os inimigos com quem conversava, abolia despesas com longas guerras inúteis, em que a vitória nunca estaria assegurada, e abria vias de intercâmbio económico fortalecedor do sistema dos EUA.

Para variar, há uma esquerda cega e uma direita nazi que só veem nele contributos negativos, inclusivamente acusando-o de ser responsável por milhares de mortos, por exemplo no Vietnam e no Cambodja. É fácil desmontar essas distorções, nem vale a pena gastar tempo com isso. Quanto aos 'nacionais revolucionários' (e socialistas), é claro que um judeu alemão que fugiu para os EUA por causa de Hitler nunca vai ser elogiado por eles. 

A sua biografia no The Nobel Prize.


Um obituário interessante ao nível da informação e da análise pode ser visto aqui: 

https://www.euronews.com/2023/11/30/former-us-secretary-of-state-henry-kissinger-dies-at-100 


Também me pareceu razoável, equilibrado, o resumo biográfico publicado hoje no New York Times

https://www.nytimes.com/2023/11/29/us/henry-kissinger-dead.html?auth=login-google1tap&emc=edit_ufn_20231129&login=google1tap&nl=from-the-times&te=1



29.10.23

A impotência europeia

 - no Público de hoje, 29.10.2023. 

Continua lúcida a análise de Teresa de Sousa: "Aquilo que os líderes europeus poderiam ter feito seria ligar o ataque do Hamas a Israel à guerra da Rússia contra a Ucrânia".

Ela não diz o que está certo ou errado, moralmente, por ideologia ou por religião. Faz uma análise estratégica das possíveis tomadas de posição, dando sinal da mais útil e ao mesmo tempo respeitadora dos valores da Europa democrática. 

Claro que é por aí, sem deixar de, muito claramente, denunciar a causa da crise: o ataque mais bárbaro aos judeus desde os tempos de Hitler. 


22.10.23

A 'justiça social' e um editorial do Público

O editorial do Público de 22.10.2023 é sintomático da linha seguida ultimamente pelo jornal: aí se defende que Mamadou Ba e Paddy Cosgrave não deviam ser condenados, ou seja, sofrer as consequências de afirmações suas, em regime de liberdade e de justiça isenta, que julga os crimes e não as razões políticas do momento como se faz em regimes totalitários. E porquê? Porque a justiça não deve tomar decisões sobre um crime tomando-o apenas como crime, no primeiro caso (crime de difamação). Se as posições de Machado podem incentivar o crime de assassínio sobre Alcindo Monteiro - a todos os títulos reprovável e condenável, mas sobretudo enquanto crime - também as posições de Paddy Cosgrave incentivam os atos terroristas do Hamas e também as posições de Mamadou Ba sobre matar os brancos incentivam crimes racistas. Pela mesma lógica, deviam também ser presos e condenados os dois, a par de Machado, pessoa com cujas posições, sublinho, não me identifico de maneira nenhuma. Como não me identifico com a ditadura e o terrorismo do Hamas, nem com a sua utilização da população civil para se esconder, nem com crimes de guerra que realmente o sejam, como por exemplo os praticados ultimamente pela Rússia na Ucrânia atingindo alvos civis que não escondiam armas nem militares ucranianos. E se Israel comete crimes de guerra, também eles devem ser condenados e o seu governo condenado por cometê-los. 

Porém, se alguém nos acusa de um ato que não cometemos, esse crime terá de ser condenado e mesmo por ser crime, não por ser mais ou menos político. Se o criminoso, condenado a pagar uma multa, ridícula de resto para a gravidade das suas afirmações, diz que nunca pagará, reincide em atos criminosos e se recusa a jogar o jogo da justiça, abertamente. Não respeita, não só as regras de convivência das sociedades livres (em que cada um se torna responsável pelas acusações que faz em público), como também todo o sistema de justiça. E porquê? Porque foi condenado e não queria. 

O que defende o editorial em alternativa? Um julgamento político. De acordo, claro, com a 'verdade social' defendida por David Pontes e que não é consensual, portanto não pode ser uma verdade social - coisa já de si duvidosa em países livres. O julgamento político defendido pelo editorialista seguiria cegamente o critério de que há uma responsabilidade moral de Mário Machado no crime, porque ele foi executado em nome da mesma postura política do acusado por Bá (o tal que, simbolicamente claro, queria matar os brancos que há em nós). Daí que o seu nome deva ser publicamente condenado por um assassínio que ele não cometeu e que Mamadou Ba tinha a obrigação de saber que ele não cometeu, antes de o acusar. Mas Mamadou Ba, graças ao tipo de pensamento que David Pontes exibe, sente que não tem de se responsabilizar perante a justiça pelo que diz, porque politicamente estaria certo. Para quem? 

Passando ao segundo herói do editorialista, parece que David Pontes não percebeu que o mesmíssimo argumento (a justificação política de um crime) justifica que empresas como a Google, a Amazon, a Meta e outras empresas e outros países, como Israel, se afastem da Web Summit. Há uma verdade inquestionável: o Hamas praticou dois crimes de guerra gravíssimos que geraram a atual crise militar: um massacre e uma tomada massiva de reféns - que continua a deter consigo, tendo libertado apenas duas norte-americanas. Há uma larga faixa de votantes e cidadãos livres de países livres que não se revêm no falso consenso em torno do Hamas, que os 'posts' pró-palestinos tentam impor, incluindo com uma invasão do Capitólio que, no tempo de Trump, justamente condenámos quase todos nós. 

Além disso, em países livres, as empresas são livres de participar só das iniciativas que lhes interessam. Se um organizador de uma iniciativa decide ser pró-Hamas e condenar Israel e eu, dono de empresa, rejeito essa posição, não vou participar da iniciativa dele, porque estaria a dar força ao que ele defende e eu condeno. Isto é o próprio jogo da liberdade. Em nome do quê podemos condenar empresas por se distanciarem de afirmações que legitimam os argumentos do Hamas, que mantém reféns ilegalmente? E note-se que Paddy Cosgrave não condenou o Hamas por isso, nem a Jihad Islâmica pelo foguete oportunamente falhado nas vésperas da visita de Biden, nem o Hamas por manter os reféns até agora, nem relacionou os bombardeamentos israelitas com os reféns mantidos pelo Hamas. Tardiamente, ao ver o seu posto em perigo, é que veio condenar o Hamas por ter feito reféns e um massacre. Mas só então se apercebeu disso? 

Cosgrave, como toda a 'pessoa pública', tem de assumir as suas posições, é livre de o fazer, e tem de arcar com as consequências, ou seja, tem de aceitar que 'os outros', não concordando, se afastem dele e das suas iniciativas. Se combatemos isto, combatemos a liberdade em nome da qual escrevemos. Cosgrave foi obrigado, pela pressão social, a perceber que vive numa sociedade onde a sua opinião não pode ser inquestionável e, portanto, pode ser derrubada por pressão da 'verdade social' e dos que se recusam a alinhar em eufemismos para defender os atos terroristas do Hamas, ou recusar o direito de Israel retaliar e se defender. Como o editorial indiretamente faz, por apoiá-lo, pois, quem apoia uma opinião que defende ou favorece uma organização terrorista, apoia essa organização terrorista e os seus crimes. Repare-se que David Pontes em nenhum momento reconhece que Paddy Cosgrave estava a defender o Hamas, em nenhum momento do seu texto refere os crimes do Hamas, e tenta pelo contrário, se não criminalizar, pelo menos condenar publicamente as atitudes de resistência à defesa pública dos atos do Hamas, ou à recusa pública em denunciá-los antes de denunciar os bombardeamentos israelitas que lhe respondem. Enquanto manifesta a sua opinião, está a fazê-lo em liberdade e tem o direito de o fazer; enquanto procura condenar o uso da liberdade por quem discorda dele, aproxima-se de uma tentativa de limitar ou condenar a liberdade 'dos outros'. É esse tipo de pressão, totalitária, que vem desvirtuando (pouco me importa se pela esquerda ou pela direita) o regime de liberdade em que vivemos.

Essas empresas, e Israel (o atacado por Cosgrave), ao se retirarem da web summit, não estão a mostrar "pouco amor à liberdade de expressão", mas a usar a sua liberdade para serem consequentes com a sua expressão. Já do editorial do Público, feito como está, se deduz que, sim, se pudesse, limitaria a liberdade de expressão à concordância com o que disserem Mamadou Ba e Paddy Cosgrave. O artigo de Pontes distorce mesmo a realidade. Leia-se: "ao contrário do que deveria ser sólido nas sociedades ocidentais, a liberdade de expressão se desfaz com facilidade com julgamentos errados." Ora o julgamento errado, meu caro editorialista, que pode levar à diluição prática da liberdade de expressão, parece-me ser o seu e não o de Israel defendendo-se, ou das empresas usando a sua liberdade para se recusarem a participar de eventos dirigidos por um homem tendencioso quanto ao Hamas, que lidera a faixa de Gaza com uma ditadura férrea, não com liberdade de expressão, nem com um regime comparável ao de Israel. O Hamas não admitiria que alguém o condenasse e fosse lá organizar uma web summit. Portugal, que não concorda com Paddy Cosgrave, admitiu no entanto que ele tentasse organizar um evento no país. E fez bem. O governo português e o seu presidente estão, por isso, de parabéns. A justiça portuguesa, no caso da condenação da Mamadou Ba, está igualmente de parabéns: julgou um crime enquanto crime e o deu por comprovado.


Nota posterior: no número de hoje do mesmo Público, 23.10.2023, Carmo Afonso insiste nos mesmos tópicos, como 'sementes de alfarroba'. Faziam-lhe bem, as sementes. O seu texto nada acrescenta, só repete os lugares-comuns da sua tribo. Queixa-se de um "consenso estabelecido" a favor de Israel, mas o que vemos em muita da imprensa e nas redes sociais é a tentativa de impor um 'consenso à força' a favor do Hamas. Uma vez que ela repete os mesmos argumentos, não vale a pena perder mais tempo com o seu texto. 


"Israel afunda-se na armadilha para onde foi conduzido pelo terror do Hamas. O seu justo direito de defesa assume as proporções de uma catástrofe" - este o destaque do editorial de hoje, 2.11.2023, de David Pontes no Público. Bem diferente do que já critiquei, neste mesmo 'post' ou mensagem. Muito mais equilibrado e, se não justo, revelando justeza. 

Inteiramente de acordo com quase tudo o que ele diz, apenas discordo em duas aparentes ingenuidades: a primeira vem nesse cabeçalho, é que Israel, com o Hamas dominando a Faixa de Gaza, não tem qualquer alternativa, porque os dirigentes do Hamas se escondem por trás da população civil, como toda a gente sabe e pouca gente refere. 

A segunda é uma consequência da primeira. Dizer que se deve "pôr a salvo o maior número possível de civis" e defender "a negociação da libertação dos reféns" é, no mínimo, ingénuo. Ingénuo porque entre esses civis irão ser postos a salvo dirigentes do Hamas, responsáveis diretos por esta crise. Dificilmente conseguirão passar um 'pente fino' a tal ponto que nenhum seja detetado. 

Mais ingénuo ainda, mas mais do que ingénuo, defender negociações para libertar reféns. A libertação dos reféns só pode ser incondicional. Israel disse que o prosseguimento do conflito dependia da libertação dos reféns e o Hamas começou a colocar outras condições. Ora, se a libertação dos reféns não for incondicional, estamos a aceitar a chantagem do Hamas, que também faz chantagem com os seus próprios civis. Está-se a aceitar a causa do conflito e a dizer ao Hamas - para a linguagem dele - que pode fazer mais reféns porque isso é negociável, acabarão cedendo a pelo menos uma parte da chantagem. 

O que vimos é que o Hamas, como qualquer ditador e como qualquer grupo terrorista, só cede por medo, forçado (exceção para ditadores loucos como Hitler). E foi por medo dos EUA e de outros países, tentando ao mesmo tempo criar divisões entre os aliados de Israel, que libertaram alguns estrangeiros. Em que medida os países 'beneficiados' irão compensar o Hamas pelo seu crime? 

É por estes motivos - e não por radicalismo político - inegociável a libertação dos reféns e inegociável qualquer trégua com o Hamas. O que, por sua vez, implica não ter Israel qualquer alternativa ao que fez, não por ser arrastado para uma armadilha, mas porque o Hamas domina a Faixa de Gaza, constituindo uma ditadura sem deixar as práticas terroristas. E uma ditadura, de resto, é uma forma de terrorismo de Estado... 


Uma opinião pertinente no Público de hoje, 3.11.2023 - a de Francisco Mendes da Silva (p. 8). 


20.10.23

A chusma dos 'posts' e a guerra Gaza-Israel


Não precisamos de perder muito tempo nem de remeter para qualquer citação, post, vídeo, imagem lacrimosa a apelar ao sentimento dos incautos piedosos.

O Hamas atacou Israel e continua sem reconhecer o Estado israelita, assegurando que vai destruí-lo. Matou, com plano prévio, todos os civis que encontrou pela frente, exceto os que fez reféns. 

Israel contra-atacou, defendendo-se, com os meios que tem, superiores porque em poucas dezenas de anos se tornou um Estado progressivo, desenvolvido e poderoso, ao passo que os palestinos, recebendo anualmente milhões ou bilhões de dólares de países árabes e de ajuda internacional, ainda não saíram do ciclo das ditaduras, da corrupção, da repressão, do terrorismo e do mero consumo-gasto de ajudas. 


A 'comunidade internacional', arrastada pela chusma dos 'posts', imediatamente se solidarizou com os palestinos vítimas do contra-ataque. Muitos nunca mencionaram os dois crimes gravíssimos cometidos pelo Hamas: o massacre de civis e a tomada de reféns, crimes de guerra, violações das leis internacionais, que deram origem à nova fase do conflito. 

Israel disse que, se o Hamas libertasse os reféns, a contraofensiva parava, pelo menos o tempo necessário para salvaguardar mais vidas palestinas. O Hamas respondeu com um vídeo onde mostrava um bébé, que seria refém, com os seus militares-terroristas no terraço de um prédio, com ar contente, festejando. 

A comunidade internacional e a chusma dos 'posts' cada vez aumentam mais as vozes contra o poder militar israelita e sua capacidade de resposta sem referirem que o Hamas continua a manter reféns israelitas em seu poder (e faz do seu próprio povo refém). 

Entretanto, um foguete ou rocket mal atirado, oriundo de um local controlado naquele momento pela Jihad Islâmica, que bombardeava Israel, provocou um desastre humanitário num hospital de Gaza e numa zona que devia estar evacuada. Sob o solo do Hospital havia um arsenal de armas que explodiu. Os vídeos espalhados por Israel, um deles da Al-Jazeera ao vivo, são suficientemente elucidativos: um foguete explode no ar e depois se dá a grande explosão no Hospital sem que se visse nenhuma bomba a cair de um avião, nenhum projétil vindo do lado de Israel. 

Mas a própria Al-Jazeera, que nunca fez um noticiário isento, continua ignorando o seu vídeo e reportando os acontecimentos na versão distorcida dos palestinos. Até a CNN fala do assunto veiculando a versão palestina e falsa de um bombardeamento israelita que até hoje não conseguiu demonstrar ou provar. 

Ninguém mais lembra que

1) O Hamas praticou um massacre que despoletou a situação.

2) O Hamas continua a manter reféns israelitas impedindo assim qualquer trégua.

3) O Hamas e a Jihad Islâmica e as autoridades palestinas ainda não demonstraram que foi um bombardeamento israelita que provocou a explosão no subsolo do Hospital.

4) O Hamas e a Jihad Islâmica mantêm-se escondidos entre a população civil, tornando-a refém, carne para canhão, o que também é crime de guerra. 

5) Há vídeos a circular que mostram bem que não foi nenhum bombardeio israelita que provocou o desastre do Hospital, acidente que não dava jeito nenhum a Israel na véspera da visita do presidente norte-americano. 

6) Até hoje não se sabe ao certo quantas pessoas morreram na explosão do Hospital, nem quantos dos mortos eram efetivamente doentes, nem quantos militantes ou terroristas palestinos estavam abrigados ali. 

Ignorando estes 6 pontos, nenhum noticiário, nem nenhum comentário, podem ser tidos em conta, veiculam uma versão distorcida, promovida pelo terrorismo do Hamas e da Jihad Islâmica sem qualquer prova. 

A atitude a tomar é a de não dar qualquer sequência a comentários e notícias tendenciosos. 


Por acaso, no Observador de hoje (22.10.2023): "Vídeos de ataques que afinal são videojogos e palestinianos ao relento que na verdade são jovens católicos em Lisboa. Há duas semanas o Hamas invadiu Israel e a desinformação invadiu as redes sociais."


17.10.23

A culpa

é um jogo de simulações para legitimar as mortes e a morte é sempre injusta, na política ou no resto da vida. 

Nesse jogo de culpas, que a História conhece bem e nas mais diversas e funestas variações, um ex-ministro angolano fez uma descoberta sensacional: a culpa da guerra em Gaza é de Israel e dos sionistas porque eles não aceitam um Estado Palestino. 

Só mesmo um governante de um partido que nunca respeitou as suas próprias leis, e que está com poder autoritário desde 1975, pode proferir uma tão descarada mentira. Então o sr. ex-ministro, comunicólogo intenso, não reparou ainda que o Hamas não reconhece o Estado de Israel e jura lutar até à sua total destruição? E que esse Estado assinou compromissos internacionais aceitando a solução dos dois Estados? 

Também não percebo como, em nome da liberdade de imprensa, um Diário de Notícias aceita, sem rebuço nem comentário, tamanha falsidade. É a lusofonia? 


11.9.23

Boutade carbonária

 

Carvão e cabrão não são palavras muito diferentes. A sociedade dos carvoeiros agradece. Mas a verdade é que, indo por violências, foi-se por aventureirismos e precipitações. Deu no que deu. Mais do mesmo e talvez pior.



6.6.23

O pós-lítico

 

Pouco a pouco, a humanidade vai finalizando a extensa etapa neolítica e, com isso, vai se reestruturando, ou pressentindo a necessidade de o fazer, ou sentindo, pelo menos, a desadequação dos modelos e valores líticos. Acontece em todos os campos de atividade. 

Uso dois para exemplo. 1) O político, focado na representatividade; 2) O artístico, focado na recoleção e refuncionalização. 

1) As diversas formas de representação política foram se aprofundando, principalmente nas democracias. A representação orgânica, apesar de manipulada por regimes totalitários e por isso rejeitada, era útil (e em parte ainda o é), sendo por isso recuperada através de órgãos como Conselhos de Concertação Social ou Económica, em democracia mais consequentes do que as assembleias partidárias, cuja função hoje tem sido mais, nesse aspeto, vigiar, aprovar, ou reprovar - uma função idêntica à dos reis em monarquias modernas ou liberais, apenas com o redutor acrescento da subordinação a estratégias meramente partidárias. O crescimento do poder local, o reconhecimento da sua representatividade, remete-nos de novo para a recuperação, em democracia, de um modelo orgânico de representação e de concertação política real. 

Entretanto, crescem os empregos e os nómadas digitais, as facilidades de deslocação para mudança de residência, como também a mobilidade financeira pela facilitação das operações cambiais e bancárias. Aumentam, por igual, os empregos alternativos, subempregos e desempregados que se 'remedeiam', se 'viram', com pequenas atividades e rendimentos, as consequências da automação máxima das atividades mecânicas, antes asseguradas por artesãos (hoje reduzidos ao artesanato personalizado, muito mais digno, mas menos lucrativo para empresários). 

O modelo tradicional de casamento monogâmico esboroa-se em paralelo, continua a esboroar-se desde a aceleração do quotidiano provocada pelo domínio absoluto das indústrias e do comércio de massas, com seus horários, pressas e pressões e suas linhas de produção contribuindo para o hábito de alinharmos o pensamento, colocarmos tudo em prateleiras. Estar casado ou não, ter várias parceiras ou vários parceiros, é uma questão de prateleiras, indiferentes umas às outras e os apertos dos horários e das tarefas urgentes não nos permitem já manter acesa durante algum tempo a chama de uma paixão primeira, mais funda, mais forte. Passamos os dias (e por vezes as noites) com outras pessoas. O parceiro(a) passa a ser apenas o da rotina dos sonos ou, quando muito, o dos fins-de-semana entediantes em família, das discussões sobre o destino a dar ao dinheiro e à falta dele, por vezes aos filhos... Isso traz implicações políticas, além de estimular a anulação do pensamento por alinhamentos prévios, típicos da produção em série. Com tempo e o avolumar das tensões, do mal-estar, do sentimento de não nos vermos representados e realizados, isso vai nos levar a pensar no que fazemos e como. Porque somos escravos do trabalho? Onde começou tal escravidão? Não foi na Bíblia, não. Vai ter de se repensar a estruturação do poder e da legitimidade, mas sobretudo da representatividade quealicerça e efetiva poder e legitimação, que não podem continuar a governar-nos metendo-nos em becos sem saída, em prateleiras e quartos. 

As estruturas de mando e representação, com recuos e avanços, foram seguindo modelos muito primitivos, titubeantes, oscilantes, mas que se definiram melhor e se complexificaram com o neolítico, a concentração urbana e de bens, uma conceção integrada e alargada de defesa do grupo, a sedentarização e a estabilização tendencial das hierarquias sociopolíticas. A monarquia tornou-se uma espécie de espelho e regime natural da sociedade humana, que no entanto suportava bem repúblicas autónomas, que tendiam para impérios (mono-árquicos) conforme se estendiam e enriqueciam mais. O que as monarquias tinham de melhor era uma visão orgânica e autárquica da sociedade, embora gradualmente se centralizando até ao ponto de sistemas absolutistas que as implodiram em repúblicas e partidismos por reação, deixando a estruturação social tradicional implodir também, com as pessoas isoladas perante o Estado - o novo Absoluto. Mas as monarquias foram superadas, se olharmos mais fundo, não pelos liberalismos, nem pelo assassínio dos reis, foram superadas pela produção em série, pela atribuição de categorias e estantes meramente em razão de reduzirmos os custos e aumentarmos os ganhos. Isso é necessário para gerir uma empresa, mas é ruinoso quando se exporta para fora da gestão de empresas. Ora, uma monarquia pode ser considerada uma despesa dispensável e, no entanto, volumosa. Então acaba-se com ela e ficam-nos os reis da banca, do aço, do petróleo, das várias prateleiras da produção acelerada.

O recente modismo dos regressos radicais, extremos, muito ao para trás no tempo, que impera nas dietas, nas roupas, em certos costumes e na recuperação de rituais arcaicos, implica o repensar do próprio processo que trouxe a humanidade aos dias de hoje, do que se pensa e pensava serem os seus fundamentos. É salutar, mas caminhamos a passos largos para uma política e uma humanidade pós-líticas e ainda não vislumbrámos as adequadas estruturações políticas e representativas.


2) As artes estão exatamente no mesmo ponto, embora com o seu nível próprio de complexidade, mais intenso e diversificado, por vezes ainda mais avançado. 

As instalações, performances, ready-mades, colagens, articulam-se com práticas antigas, mas recontextualizadas, de recolha e refuncionalização de elementos contextuais. A diferença consistiu somente - sobretudo no século XX - na massificação e no descaro dessas práticas, tornadas igualitárias (qualquer um pode praticar, independentemente das consequências estéticas e éticas), de todos para qualquer um, indiferenciadas, aleatórias e, sobretudo, feitas em bruto, sem preocupação de esconder o 'segredo' que mitificava o 'génio', mais que individual, pessoal - e, por tanto, intransmissível. A reciclagem de que tanto fala a ecologia, com defensores das energias renováveis, e similares atitudes ou posturas que parecem constituir soluções (e podem mesmo ser), em verdade estão a revisitar os fundamentos, os começos, da época lítica e sobretudo a passagem do paleo para o neolítico. Em arte, as disciplinas híbridas acompanham criativamente e mimetizam essa revisitação. Porém, tanto quanto na estrutura de representação e na de poder, não se deu passo para o pós-lítico, ainda vivemos a funda e vagarosa transição. Somos cães domesticados: ainda estamos a alçar a pata para marcar terreno sobre o asfalto e o 'concreto'. 

Como sabemos estudando literatura, os mimetismos, hibridismos, as colagens, o culto da performance e de ready-mades verbais acentuaram-se nos séculos XIX e XX nos países mais desenvolvidos técnica e economicamente, sobretudo nas democracias do hemisfério norte, mais ricas. Mas eles eram e são constituintes de qualquer arte e mimetizam os mesmos processos de recolha, armazenamento, reaproveitamento. São processos que, intensificados, vieram a dar em sistemas e estruturações de representação e de poder típicos do neolítico, desse neolítico ainda presente. 

Muito lentamente algumas manifestações artísticas procuram mimetizar a maleabilidade, portabilidade, e dinamismo dos seres humanos nas sociedades atuais e a sua instável e insatisfatória (por enquanto) sociabilidade. Há experiências híbridas entre o teatro, a performance, a mímica, o episódio curtíssimo (sketches, cenas, vinhetas), com pessoas por vezes ligadas a mesas de mistura que ampliam e remisturam a produção do performer e a reação do público. São exemplo de mimetização dessa maleabilidade, portabilidade, informatização e dinamismo social instável. 

Experimentações anteriores em três ou quatro décadas, como as dos motores textuais e da ciberliteratura, tentaram chegar ao limite possível e impossível das típicas montagens, recolhas e colagens que foram a base das artes humanas desde o neolítico. Os motores textuais, por exemplo, dessacralizaram as reestruturações, colagens e montagens pela reprodução, sem critério de escolha, de todas as combinatórias possíveis de um determinado agrupamento de palavras, em frase ou mesmo sem frase, como numa linha de produção aleatória, sem definição de série. A ciberliteratura mostrou que o próprio texto pode ser mutável, inesperado, e variar, não só de pessoa para pessoa, mas com a mesma pessoa, quase materializando um procedimento cerebral e neurobiológico básico do funcionamento humano. Film-letras - antepunha e antecipava Augusto de Campos. Essa experiência aproximou-nos - arrisco dizer - da expressão da vivência de hoje, em constante mutabilidade, instabilidade e sem tábua de salvação. No entanto era controlada pelo programador de software

A maior parte da produção literária continua se fazendo como se tais experiências não fossem de levar em conta, não mexessem com nada. Por vezes escrevem-se poemas que são fragmentos, anotações, sem preocupação de unidade, acasos, mas sofrem da mesma ausência de escolha, propósito e ressignificação que inviabilizou as experiências informáticas. E também são fragmentos frouxos, tíbios, frágeis mas não delicados, pouco mais que manifestações de vontade de dizer, próprias de adolescentes que aprenderam a falar mas ainda não a discursar ou declamar. Então continuamos a ler uma poesia costumista, intimista, penumbrista, com versos aparentemente modernos (a modernidade de há cem anos atrás) e no entanto ritmados para sugerir ambiências recolhidas, particulares, entre gaveta e armário, com metáforas polidas e qualquer coisa de crocante nas pastilhas elásticas. Esse costumismo prosaico e versicular irá manter-se, amanteigado, cremoso, luxuoso, ou aparentemente irrequieto, com seus resquícios de grão para que sugira sementes, algum erotismo mais atrevido na aparência (mas de facto banalizado), aleatório no bem-estar típico das sociedades com melhor nível de vida e liberdade. Só quando se passar a uma humanidade e a um quotidiano totalmente pós-lítico se perceberá quanto e em que medida, ou qualidade, foram pertinentes as experiências cibernéticas e performáticas, tateando as possibilidades de uma expressão artística pós-lítica. Até lá, tais experiências não se devem também tomar como mais do que isso. 


30.4.23

Universidade e Política: desfazendo equívocos

Aqui e além vemos repetirem-se chavões sobre as relações entre universidade, ciência, política e partidos políticos. É a maneira destas sociedades 'de massas' funcionarem, tipo pasta, mistura-se tudo, indiscriminadamente, atinge-se um chavão e depois lutamos uns contra os outros através de chavões. É esse procedimento o principal aliado dos inimigos da liberdade e da democracia, porque não há liberdade de chavão e o voto de clichê é a recusa de fazer escolhas. 

O mesmo sucede com o tema da Universidade e da Política. Tornou-se canónico dizer que "o poder" (outro chavão que dá muito jeito aos trapalhões do pensamento), "o poder" não deve interferir na... escolham: academia, universidade, ciência. Deve, no entanto, financiar. 

Quero pensar nisto sem me referir a casos episódicos, outro truque para baralhar as pessoas, que é o de usar casos episódicos (quero dizer: não elucidativos do que está em debate, mas sim de boas ou más condutas deste ou daquele protagonista), usar casos episódicos para neutralizar argumentos e propostas que vão muito para além deles. 

Comecemos por clarificar isto. Se o comunismo falhou na Rússia, podia ser episódica a falha. Se falhou em todo o mundo, se nunca se realizou a progressão que os primeiros comunistas imaginaram e se manteve sempre válida (a caminho da sociedade sem classes), então são demasiados casos episódicos e temos de postular a hipótese de o comunismo ser impraticável. 

O mesmo para os nacionalismos exacerbados, os fundamentalismos, identitarismos, etnicismos e tribalismos. Se todos esses 'ismos' produziram guerras, violência, repressão, mortes indiscriminadas e outras que, discriminadas, não deviam ser mortes, então será de pensar que os 'ismos' não-comunistas provocam igualmente uma série tal de distopias que se tornam, para a sobrevivência da espécie e por questões éticas, impraticáveis.

O que nos levaria a pensar que o mal está nos 'ismos'. É, porém, mais funda a raiz do mal e os filósofos até hoje mal se entendem sobre isso. O mal está numa atitude que visa condicionar, limitar, dirigir, encadear a perceção e o pensamento. Quando certa esquerda, com o lamentável e distópico Chomsky, falava em 'pensamento crítico', ingenuamente muitos pensaram que se tratava de ser crítico relativamente a essa atitude que visa manipular os outros para fins de poder, tal como a publicidade os manipula para fins comerciais e pior ainda, porque supõe normas repressivas, que forçam, quando a publicidade aposta apenas no convencimento, na sedução, na manipulação afetiva, na sua retórica própria, sofística sem dúvida, mas visa tão somente convencer-nos a consumir produtos de uma dada série. 

Quando se tornou consensual que "o poder" não devia exercer-se sobre as universidades, a ciência, a filosofia, as artes, até parecia liberalismo: o Estado não interfere. Mas não era, porque o mesmo "poder" ou "Estado" devia sustentar tudo isso. Ora, esse "poder" ou "Estado" é financiado por todos, porque todos somos obrigados a pagar impostos e a ceder rendimentos comuns (por exemplo, o petróleo angolano - ou de qualquer outro país - é de todos os angolanos, mas apenas favorece os que efetivamente controlam o tal "Estado", ou seja, os angolanos cederam para essa elite político-partidária um rendimento comum, uma cedência de resto sem qualquer alternativa para além da morte). 


Se o dinheiro que sustenta "o poder" é de todos e se "o Estado" deve financiar sem intervir usando esse dinheiro comum, quer isso dizer que os tais todos, o povo em geral, abdicam de decidir - nesse campo específico - para o que se deve usar o seu dinheiro. Quem decide, nesse caso? Quem controla cada um dos setores que beneficiam desse 'cheque em branco'? Esses setores organizam-se de forma, não por acaso, pouco democrática, afetados por pequenos mas arbitrários e ditatoriais controlos por parte de alguns que se tornam, graças a isso, 'estrelas' e, como 'estrelas', iluminam os rumos do dinheiro. Voltemos a um caso, não somente episódico, mas sintomático: o do mesmo Chomsky. 

Não por acaso, os seus discípulos e discípulas na academia foram passo a passo eliminando todas as correntes linguísticas não-chomskyanas e recorrendo aos piores argumentos: acusando-as de 'atrasadas', 'exóticas', 'erradas' (incluindo moralmente). Um dos divergentes foi um pesquisador que descobriu uma língua exótica, na Amazónia, que não possui um dos 'universais' da linguagem postulados por Chomsky. Foi perseguido academicamente nos EUA e, pela correia de transmissão imperialista que também domina a esquerda brasileira, ele e seus colaboradores foram perseguidos nas universidades brasileiras. Abafados, silenciados, des-contratados. Entretanto, cada vez se torna mais evidente que: 1) os 'universais' da linguagem podem não ser necessários ao funcionamento da linguagem, pelo que não serão caraterísticos de todos os seres humanos; 2) a fundamentação da sua existência não precisa nem do inatismo (isso o próprio Chomsky acabou reconhecendo, refazendo a sua teoria nesse ponto particular e 'exógeno' a ela), nem de nenhuma outra forma (que não a inata) de uma 'gramática universal'. O tendencialmente universal - e sublinho que tendencialmente - não é nenhuma gramática da língua ou da linguagem, são as estruturações percetivas e a articulação entre elas e o funcionamento cerebral, sendo que os dois (estruturações percetivas e cérebro) se formam e crescem juntos, constituindo um só, que por necessidade analítica separamos momentaneamente, como os médicos separam momentaneamente um órgão para curá-lo, sem, no entanto, esquecerem que ele nunca funciona sozinho. 

Ora, perante a verdadeira ditadura universitária chomskyana, ou da gramática generativa, "o poder" e "o Estado" não se devem pronunciar? Nós, que pagamos todos impostos e temos as mais diversas opiniões (incluindo sobre a gramática generativa), perdemos o direito de decidir sobre se o nosso dinheiro serve ou não para eliminar doutrinas e metodologias académicas, reduzindo-as a uma só? E o senhor Chomsky, pelos vistos, não percebe que o pensamento crítico se exerce relativamente à sua teoria quando alguém a põe radicalmente em causa fundado numa investigação própria e pertinente? E que tem, mais que o direito, o dever de exercer o pensamento crítico também sobre as teses chomskyanas?

Por outro lado, os que se apropriaram da expressão 'pensamento crítico' para reduzi-la à sua estratégia político-partidária, foram eles mesmos que impuseram uma visão política e partidária às universidades que dominaram. Fizeram-no porque, na velha linha marxista, para eles o pensamento que não tivesse a pretensão de transformar era inútil, preguiçoso, indolente, burguês, alienante, etc etc. E, se o pensamento e a ciência deviam transformar, em que sentido se daria tal transformação? Num sentido muito particular, definido pelo velho marxismo, o da revolução socialista e da sociedade sem classes. 

Então, foram eles mesmos que propuseram que, por exemplo, se criassem Centros, Grupos, Institutos e Faculdades cujo único fim seria o de analisar as sociedades de forma a conduzi-las à dita 'transformação' no sentido de uma sociedade igualitária, sem classes, e socialista ou comunista. Quando correntes de pensamento divergentes reclamam dessa verdadeira ditadura e apontam falhas graves no financiamento do 'saber' pelos poderes públicos (ou seja: pelo dinheiro comum, que não é distribuído por igual por todas as correntes críticas), os mesmos grupos que defendem que a ciência é e deve ser, obrigatoriamente, política e partidária, vêm repetir o velho chavão de que "o poder" (dos outros) não deve interferir nas universidades (deles). Mas o povo não decide o que quer? 

O poder, exercido através de representantes eleitos em liberdade, tem a obrigação de clarificar os critérios para a distribuição dos dinheiros públicos também no campo do 'saber'. Não por fulanismos e casos episódicos, mas por princípios e critérios, incluindo financeiros, económicos, de gestão, embora levando em conta que gerir o bem público não é o mesmo que gerir uma empresa particular. Princípios e critérios que devem ser aprovados e fiscalizados publicamente. Por exemplo, definir as percentagens que suportam cada ramo científico (quanto para medicina? quanto para física? para ciências humanas?). Não definir para a eternidade, mas a cada legislatura, por exemplo, ou a cada 10 anos, por exemplo também. 

O poder, exercido através de representantes eleitos em liberdade, pode e deve determinar que haja diversidade de opinião sobre qualquer tema que seja dentro das universidades e que não haja nenhum campo de investigação no qual trabalhem todos com a mesma metodologia e segundo as mesmas hipóteses teóricas. 

É cínico e próprio de trapalhões mal-intencionados argumentar que "o poder" não deve interferir 'na ciência', portanto, 'na ciência', quem conseguir o controlo, seja como for, manda como quiser, impunemente, e determina que dinheiros lhe serão dados. A verdade é que o dinheiro não é da ciência - mesmo quando ela o gera. A verdade é que a ciência nunca avançou na monologia, na mesmice, sob controlo ideológico - teve, em alguns casos, avanços particulares, parciais, dentro de um setor de uma teoria e de uma metodologia. Isso é pouco, muito pouco para quem pretende estudar a verdade, ou seja, aquilo que nos guia para a ação, aquilo que da realidade percebemos como interlocutores. 



13.4.23

Verdade e liberdade

 

Onde não há liberdade não há verdade