19.5.22

Pensamento único e pensamento livre na política mundial

O panorama da política mundial hoje não nos deve surpreender. É verdade que houve uma pausa de anos até que novas forças políticas concentracionárias emergissem e tomassem o poder em alguns países. Infelizmente, assistimos a uma normalidade. Infelizmente, ela não deixa de ser oportuna, num único sentido: os anos de paz amolecem, por isso uma guerra nos torna mais vigilantes. É, porém, desnecessário, pois os países livres têm na liberdade a revigoração das suas forças e, tarde ou cedo, a moleza havia de ser sobressaltada sem guerras. É, no entanto, uma verdade histórica a da recorrência das guerras. 

Os seres humanos guiam-se por padrões e, por isso mesmo, precisam constantemente de experimentar os padrões, para ver até que ponto eles são funcionais. As discussões públicas e livres acerca de posturas, decisão política ou partidária, estratégias internas e externas, experimentam os padrões que regem as sociedades. Porém, podem fazer perigar um poder autoritário, ou que se aferre a normativos ultrapassados, como é o caso de Putin e de Bolsonaro e foi o de Trump. Quando os padrões são postos em causa e o governante já tem todo o seu poder alicerçado neles, então precisa reprimir qualquer discussão. Se a ditadura avança, os que defendem a liberdade recuam para países livres ou começa a guerra. Porém, mesmo que os oposicionistas sejam pacifistas e só recuem para países livres ou atuem com discrição no interior das ditaduras, a guerra tem de começar, para que a ditadura elimine a oposição seja em que país for. Então começa mesmo a guerra inter-nacional, como se fez a nacional: a princípio surda e indireta (quando o ditador tem pouca força ainda), logo ameaçadora, logo direta, armada, esmagadora. Se as democracias agredidas estiverem preparadas militarmente, reagem com vigor e os ditadores são obrigados a recuar. É certo que, se não forem completamente destruídos, apenas fazem recuos estratégicos, como Erdogan para não sair da OTAN (veremos onde isso vai dar desta vez). Estamos neste ponto: uns fazem recuos estratégicos, outro (Putin) arrasa cidades atrás de cidades ("não ficará pedra sobre pedra") para dizer que não recuou. 

O pensamento que se agarra a um padrão e o define como eterno, imutável (por isso indiscutível), é o pensamento único. O pensamento que se põe à prova é o pensamento livre, que opera e se desenvolve pela diversificação e pela experimentação. 

Ao que assistimos hoje, novamente, é à luta entre as democracias e os protagonistas políticos de um pensamento único, autoritário (seja ele qual for), em combate mortal e contínuo contra a possibilidade de diversificação. Se os seguimos, os nossos padrões estarão controlados à partida e, não sendo passíveis de experimentação, nos fazem correr os riscos das sociedades caducas. As ditaduras recentes, ainda vigorosas, não percebem que assinaram o seu atestado de óbito ao se constituírem em ditaduras e agredirem vizinhos. Houve regimes autoritários 'eternos' (o dos faraós, por exemplo), mas eles sofriam revoluções e mudanças internas constantemente e, por vezes, elas conduziam a guerras civis - o que diz tudo. 

Havendo lucidez, sabemos por onde vamos. Havendo coragem, vamos mesmo. 


12.5.22

São os vizinhos da Rússia que pedem para entrar na OTAN

É uma lembrança pertinente, porque muitos tentam passar a versão (russa) de que há um plano expansionista, ofensivo, da NATO para chegar às fronteiras ocidentais das Rússia por todos os lados. Putin usou essa distorção para (também por aí) justificar a invasão e ocupação da Ucrânia - que ainda não conseguiu efetivar, felizmente, no que diz respeito à ocupação.

Note-se, de passagem, que a colonização de toda a Ucrânia seria fundamental para abarcar campos de cereais, espaços estratégicos, controlo dos mares internos, riquezas de subsolo, como também para deixar de pagar a taxa pela passagem do gás. O plano de Putin para ocupar a Ucrânia vem de longe, foi meticulosamente preparado e sistematicamente tentado: começou com a tentativa de colocar e manter na chefia do país um corrupto pró-russo, contra o qual a maioria da população se revoltou. Continuou com a ocupação de territórios ucranianos onde se fala russo (numa operação semelhante - mas mais cautelosa - à dos sudetos 'alemães' com Hitler, que os levava até à Morávia). Depois a ocupação da Crimeia. Agora a ocupação de todo o sul do país para ligar o Donbass à Transnistria. Por fim, e já destruído quase todo o país, era só fechar a tenaz... 

Por força, talvez, da velocidade e voracidade capitalista, sobretudo na imprensa, a memória coletiva ocidental e global encurta e certas falácias passam sem que ninguém pense muito nelas. Quando a URSS acabou, vários países integrantes da NATO discutiram se ainda valia a pena manter a Organização, visto que se extinguira o inimigo comum. Nunca se pôs na mesa a ideia de cercar a Rússia e dar cabo dela, o inimigo estava extinto: era o regime do PCUS. Acabou prevalecendo a ideia de que a organização podia ser reformulada e readaptada aos novos tempos com vantagens para todos. 

Mas vários países da antiga esfera soviética, mantendo viva a memória histórica da atuação da Rússia e da URSS, quiseram passar a fazer parte da Organização, bem como da União Europeia. Quer a NATO quer a UE foram sempre cautelosas e lentas a avaliar os pedidos de integração. Sabiam que não estavam preparadas para uma entrada, de rompante, desses vários países e, também, sabiam que a Rússia tentaria abafar ou neutralizar os países vizinhos sob a desculpa de que a NATO - inimiga da URSS e não da Rússia - era uma organização ainda inimiga, portanto não se podia deixar que chegasse muito perto. 

A recente posição da Finlândia e da Suécia - países habitualmente neutros - o seu pedido de integração na NATO (como já antes a vontade ucraniana de integrar a Organização), não resultaram de nenhum plano de expansão da NATO ou dos EUA, nem de qualquer outro fantasma dos que os soviéticos agitavam para assustar os seus discípulos contra o inimigo. 

Os vizinhos da Rússia conhecem-na, conhecem Putin e sabem que ele encarna ainda o expansionismo soviético e russo. Putin é um conservador em concordata com a igreja e os oligarcas, por isso Orban, M. Le Pen, Bolsonaro, se revêm nele (e procuram constituir uma igreja dominante quando há várias igrejas fortes). Mas o expansionismo que protagoniza, inutilmente, o chefe do Kremlin é uma herança histórica da velha Rússia - que não tem liberdade para resolver ou discutir os seus problemas (outra herança histórica da velha Rússia, o despotismo). 

Não há nenhum plano da NATO ou dos EUA para isolar e aniquilar os russos, nem nenhum plano de Putin para 'libertar' os vizinhos dos 'nazis'. Há só um plano de Putin para anexar os países vizinhos, ou confiscar a sua liberdade, como se fez na Bielorrússia, manipulando um ditador do calibre dele, mas muito fraco de cabeça e falho de personalidade. 


https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2022/05/12/finlandia-quer-adesao-sem-demora-a-otan-suecia-tambem-deve-quebrar-neutralidade-militar.htm


Entretanto a Turquia bloqueia a entrada da Suécia e da Finlândia na OTAN. Porquê? Porque abrigam militantes curdos. A lei de Erdogan é a mesma de Putin, isso já sabíamos: eliminar toda a possibilidade de resistência política ou militar, de divergência séria e consequente. Na verdade, os choques entre a Turquia de Erdogan, a União Europeia e a NATO, já vêm de há anos e, prudentemente, os europeus recuaram na possibilidade de adesão da Turquia. Na verdade, Erdogan tem um pé na Europa e Otan, não pela Geografia, nem pela História (o que ligava a Turquia à Europa na História era o contrário do seu fundamentalismo islâmico). O pé firme, porém, está no mundo islâmico. Esse é o seu mundo e é o que ele representa às portas da Europa. 

As suas negaças tornam mais claro e mais difícil o jogo: de um lado, a liberdade, do outro as ditaduras. Erdogan não faria pirraça para que lhe devolvessem opositores se estivesse realmente preocupado com a expansão russa. E devia estar. Ou estará mesmo? Os próximos dias dirão. Porém, mais uma vez, ele mostra que só tem um fito: eliminar opositores e consolidar a sua monarquia islâmica, onde figura como presidente vitalício de facto. Vai haver eleições na Turquia? Também já houve antes... até na Rússia. 




9.5.22

A importância da gravidez


No combate pela superação da desigualdade de oportunidades há tanto para pesquisar hoje que não podemos abarcar tudo. Mas a neurobiologia vem trazendo contributos precisos que deviam talvez orientar mais as políticas de superação das desvantagens dos que nascem quando nascem.

De pouco vale, de facto, avançar umas migalhas à pobreza, que servirão, no máximo, para aliviar momentaneamente esta ou aquela família ou pessoa. Leia-se a notícia desta pesquisa:


Quer ela dizer que ficam desde logo (à nascença) condenadas certas pessoas pela falta de condições da mãe e do feto ao longo da gravidez. A notícia é grave. Leia-se o resumo:

Infants born to mothers living in poverty have smaller volumes of gray and white matter across the entire brain. Additionally, babies born to mothers who live in high crime areas showed differences in brain activity to those whose mothers lived in safer areas. Those born to mothers who experienced crime had weaker neural connections between brain areas that control and process emotions. Maternal stress, researchers say, could be a main factor in the differences in neuroanatomy and brain connectivity.

A própria e futura redução da criminalidade pode passar uma superação das dificuldades das mães vivendo nessas situações. A política de combate à pobreza e à desigualdade de oportunidades (iguais mesmo nunca somos) havia de começar por considerar todas as mulheres grávidas como se fossem doentes em cuidados especiais. É preciso criar condições para acompanhá-las, assegurar-lhes alimentação conveniente e controlada, assim como criar centros de grávidas para as mulheres que vivem em zonas de criminalidade, centros com aposentos para dormirem com os maridos ali. Claro que sempre haveria casos difíceis ou impossíveis, por exemplo aqueles em que o próprio marido é criminoso. Nesses casos as mulheres deviam ficar isoladas nos centros de gravidez e os maridos as visitariam cumprindo um código de comportamento que assinavam. Claro também que as mulheres que não precisassem disso não deviam recorrer a tais serviços. Assim, muitos mais fetos teriam um desenvolvimento normal e saudável. A humanidade iria dar um salto qualitativo e gigante no seu desenvolvimento harmonioso, que se começaria a notar em cerca de duas décadas.

8.5.22

Lembrança rápida em Azvostal

Lembram-se do Pacto Germano-soviético? A URSS não combateu os nazis, defendeu-se da Alemanha quando esta a invadiu e foi aliada dos alemães até isso acontecer. Hoje a Rússia invade outro país e diz que vai combater nazis. Ainda há quem acredite nisso. Acreditar nisso já não é ingenuidade, é colaboração com o inimigo.