15.3.24

Crime, emigração e retórica de avestruz

 

Na edição de hoje do Le Figaro Magazine transcreve-se uma entrevista muito pertinente com Charles Sapin sobre os nacionalismos europeus de hoje, melhor dito, partidos xenófobos e de direita radical. A entrevista se justifica pela publicação recente de

.

Há dois destaques: 
1. Assustar os eleitores com os perigos do fascismo, do nazismo, da extrema-direita do século XX não resulta mais, até porque mesmo os que inicialmente foram neonazis ou neofascistas se afastaram das origens para se inserirem na atualidade; 
2. A forte subida eleitoral dos novos grupos à direita, sejam eles populistas ou não, se deve ao facto de falarem diretamente e sem pruridos na situação migratória, problema com que estão muito à vontade porque, não tendo estado no poder, não tiveram qualquer responsabilidade nela, basta-lhes apontarem o dedo. 

A situação migratória, relembro, varia de país para país. Na Suécia, ou na França, ou na Itália, tem contornos e consequências específicos, além dos comuns. Em Portugal o governo socialista e o seu partido, oportunamente, fizeram sair relatórios que demonstram que os emigrantes, ao contrário do que diz André Ventura, não são problema para a Segurança Social, dado o volume das suas contribuições. O chefe do partido Chega moderou-se e não foi só para conquistar moderados, ele simplesmente não tem elasticidade retórica nem cognitiva. Podia ler, ou mandar ler, em pormenor o relatório para lhe apontar eventuais lacunas; não o fez. Podia chamar a atenção, mas com dados estatísticos, para a criminalidade, mas só o faz 'por alto', ou 'de leve', atirando 'bocas' ao mercado dos votos. A credibilidade destes partidos cairá por si própria se forem mais lacunares ainda que os outros. O problema é que muitas vezes, como no caso do Brasil e dos EUA, só quando estão no poder se percebe que não têm soluções e são meros intrumentos de gangues internas de empresários sugadores dos dinheiros públicos e de gangues externas integradas na 'Nova Ordem Mundial' - que é, na prática, a retoma do pior que havia nas antigas ordens locais.

Alguns países procuram repetidamente ocultar nos noticiários a origem de criminosos cujos crimes ganharam relevo. É a continuação da política centrista de meter a cabeça debaixo do chão e fingir que essas estatísticas, e a própria migração para dentro da União Europeia, não constituem qualquer problema. É mesmo por esse tipo de estratégia que o centro político se esvazia, beneficiando os partidos tendencialmente autoritários de direita (visto que o autoritarismo de esquerda está hoje sem crédito nem futuro visível, além, pela sua falta de elasticidade, se terem ressequido limitando-se a repetir princípios e valores envelhecidos). É necessário que um governo traga para a rua, sem pruridos em lacunas, um relatório bem fundamentado que nos esclareça sobre a relação entre aumento da criminalidade por tipos, categorias, e o aumento das correntes migratórias, ilegais e legais. É preciso que, depois disso, caso vejamos todos razão para tal, se anunciem medidas concretas, a médio e curto prazo, para diminuir o efeito negativo, medidas que não se limitam a mandar as pessoas embora no primeiro transporte que apareça - até porque elas voltam, ou similares. No Brasil, por exemplo, Bolsonaro e seus entusiastas diziam resolver a criminalidade mandando prender: é bandido prende (e, se puder, mata). Não resolveram nada e assistiram até à formação de filas para... entrar na prisão, com criminosos algemados nos seus carros (ou em outros) à espera da entrada no novo hotel que os protege de serem mortos por outros. Não criou novos presídios, não resolveu a criminalidade antecipando-a pela criação de programas de reinserção, de promoção de potenciais criminosos (principalmente jovens) a funções que os afastem do crime e lhes garantam salário digno, residência longe de zonas de contaminação mais fácil, etc. Como Trump nos EUA também não resolveu qualquer problema com os emigrantes ilegais, apenas construiu um pedaço de muro inútil e inconsequente e vetou entrada de estrangeiros indiscriminada que também não evitou atos terroristas e criminosos dentro do país, nem diminuiu o número de mortos à bala.

Parece que o avestruz, afinal, não mete a cabeça no chão por medo. Mas o avestruz político é um menino mimado (muitas vezes pelo estado social, outras pelos papás) que mete a cabeça no chão sempre que algum problema o incomode mais. O sistema democrático não se resolve por inércia.


Sem comentários:

Enviar um comentário