24.1.24

Como se afundam as democracias

 ... por falta de vigilância, de eficácia e de cidadania.

Leia-se este trecho, destacado no artigo de opinião de Dantas Rodrigues no jornal português Observador:

É uma tragédia quem nos julga e nada cumpre, e nem é sequer obrigado a cumprir. Esquecendo-se que os prazos processuais existem para proteger as partes intervenientes e o processo não ser infindável. 

Continuamos lendo estas afirmações, porque a situação se arrasta governo a governo, eleição a eleição. 

Vem um demagogo e diz: estão a ver, 'eles' (e aponta o dedo ao vago) não resolvem nada. Claro, muitas pessoas vão votar no demagogo e nem se perguntam, sequer, quem ele foi até esse momento. 'Eles', é vago, mas todos conhecemos: são todos os que detestamos na política.


 

23.1.24

Portugal: exemplo de jornalismo que não vale a pena voltar

Entre polémicas, despedimentos, negócios mais ou menos sigilosos e um congresso, jornalistas do Diário de Notícias fizeram um caderno chamado "DN em luta. 159 anos na vida de Portugal". Como também se vê por esse caderno, e por artigo do diretor José Júdice (rejeitado pelo Conselho de Redação em outubro), não é a primeira vez que o jornal se encontra em 'maus lençóis', nem os jornalistas com salários em atraso. 

A recorrência do facto não justifica o atraso nos salários, contra o qual (e os despedimentos) os jornalistas reagem com toda a razão. Torna-se ainda mais pertinente essa luta quanto, como dizem no seu comunicado de 19.1.2024, o 

presidente da Comissão Executiva, José Paulo Fafe, que assumidamente se recusou a pagar salários por estar em litígio, não com os trabalhadores do grupo, mas sim com outro acionista e com a ERC.

O que me traz aqui é o caderno histórico referido e suas imprecisões, ou lacunas, algumas delas sintomáticas. As vítimas do processo - os subscritores do comunicado - tinham vantagem em mencionar, por exemplo, os ganhos com publicidade na edição on-line, nas várias modalidades. 

Mas, entre outras, há uma grave omissão. No historial, refere-se assim o ano de 

1975 - José Saramago, mais tarde prémio Nobel da Literatura, integra a direção do DN, como diretor-adjunto de Luís de Barros, na época conturbada após a revolução do 25 de abril de 1974. Essa direção seria afastada após os acontecimentos político-militares de 25 de Novembro de 1975 e o Diário de Notícias esteve suspenso durante um mês.

Estranho, quando se trata de despedimentos, não referirem os desse ano. Em outro historial, este centrado no período em causa, Pedro Marques Gomes diz 

O período em que o jornal é dirigido pela dupla Barros/Saramago será, assim, marcado por inúmeras polémicas e manifestações públicas de discordância em relação ao seu conteúdo noticioso, sendo um dos casos mais mediáticos o do afastamento de 24 jornalistas na sequência da divulgação de um documento, no qual estes questionam a orientação do DN.

Como também se menciona aí, depois do 25 de novembro, foram despedidos mais 14 jornalistas, comprometidos com a quebra de imparcialidade e com a disciplina partidária impostas ao jornal por uma parte da redação e pela direção gonçalvista. E como também se vê pelo artigo do novo diretor do DN, José Júdice, as soluções apontadas passavam por subvenções estatais a jornais estatais, soluções nas quais a maioria do eleitorado (logo, dos contribuintes), como se viu nas eleições, não se revia nem se reviu.

Também nesses anos a seguir ao 25 de abril em Portugal, as polémicas em torno do jornalismo parcial, partidário, controlado no geral por células e jornalistas afetos ao PCP, eram tão vivas quanto a própria política partidária. Pesquisas estatísticas foram feitas, não só relativas ao número de menções a políticos afetos ao PCP e ao PREC e à oposição, mas também relativas ao tipo de menção (negativa ou positiva) e são claros os resultados: a esmagadora maioria delas era positiva e relativa aos protagonistas do PREC e do PCP; uma absoluta minoria era relativa aos da oposição, da qual apenas se destacava Mário Soares (o último que faltava abater) e na quase totalidade essas eram negativas. 

Há perguntas que imediatamente nos ocorrem, pese embora a justiça da luta pelo pagamento de salários e contra mais razias na redação.

1) Ocultar esses despedimentos e a razão de ser deles, em que ajuda à credibilidade dos jornalistas que subscrevem o historial? 

2) Ocultar os ganhos e as mudanças e a capacidade de adaptação da redação aos novos meios de comunicação (genericamente on-line, em linha), ajuda os mesmos jornalistas? 

3) Em que medida a direção nomeada pelos proprietários de um jornal privado deve ser rejeitada pelo Conselho de Redação e que peso isso deve ter na decisão dos administradores? Será justo que o Conselho de Redação pretenda vetar a direção indicada por quem investe o dinheiro ali? Uma comissão de trabalhadores é que aprova a direção de uma empresa privada nos outros negócios?

Caso similar aconteceu no Le Monde, há muitos anos. Acabaram chegando a um consenso e o Le Monde mantém-se um jornal respeitável. Faço votos para que estes jornalistas, pela sua parte, superem os resquícios de militância policial que ainda os leva a esconder informação. 

Dito o que, torno a declarar: estou solidário com a greve e a luta contra o desemprego nas redações. Há vários títulos que mostram, em todo o mundo, que a reconversão para o jornalismo atual não implica, obrigatoriamente, despedimentos maciços e estas redações estão já muito reduzidas.


19.12.23

A tal ortodoxia

Apenas um apontamento: quando lemos a expressão "ortodoxia dominante", geralmente ela se refere a uma ortodoxia extinta e quem a usa insere-se numa ortodoxia que vem dominando a cultura euro-americana desde os finais da década de 1970.

Já sabemos: é mais fácil (aparentemente pelo menos) agredir um morto que um vivo. Que o digam Boaventura de Sousa Santos, por exemplo, ou Melenchon, etc., etc.... e até o Hamas, o Hezbollah, o Irão, as monarquias do Golfo, os Houtis e outros fundamentalistas islâmicos salvaguardados por uma esquerda paradoxalmente marxista, profana, vulgar, igualitária, que se diz ateia e vai cada vez mais aos misticismos do Oriente buscar o que matou na sua terra. Essa mesma esquerda que diz defender a liberdade e a justiça social e defende na prática regimes despóticos dominados por chefes populistas e oligarquias empresariais.


18.12.23

Cessar-fogo Coco Chanel entre Israel e Palestina defendido pela França

 Do Libération de hoje, 18.12.2023: 


Não visitou a Faixa de Gaza nem fez tal pedido ao Hamas e muito menos pediu que libertassem os restantes reféns para cessarem os combates. É a norma: malha-se em Israel e nas democracias, porque ali se pode fazer isso; nos outros países, onde há ditaduras, violências, violações (até 'constitucionais') dos direitos humanos, nenhum dos incomodados com as vítimas em Gaza, ou com migrações clandestinas, nenhum nem nenhuma vão lá falar, claro. 

Fazem lembrar aqueles meninos e meninas que vivem do dinheiro dos pais e passam o tempo todo a falar mal deles, a criticar o seu modo de vida, as suas práticas incorretas etc etc - como é bom viver assim, na cobardia de satisfazer os que nos amedrontam sacrificando os que nos beneficiam. 

E repare-se na demagogia: "cessar-fogo imediato e durável". O paraíso também, se possível, sendo o paraíso talvez uma loja Coco-Chanel muito limpa e bonita em todas as capitais do mundo. Esta gente dos gabinetes nem faz ideia do que seja uma guerra, combates, a necessária relação demoníaca do matar ou morrer numa situação como a das relações entre palestinos e israelitas. Israel, mesmo que o pretendesse, não conseguiria garantir um cessar-fogo "imediato e durável", porque o cessar-fogo seria quebrado pelo outro lado assim que recompusessem os reforços de armamento e reocupassem posições. Mas a senhora ministra está a falar para a imprensa do seu país ...e da Cisjordânia, onde foi depois visitar palestinos expulsos por colonos israelitas (o que me parece importante fazer, mas ela devia ter visitado igualmente as famílias das vítimas do 7 de outubro, não?). Enfim, passará ao Líbano para resolver (imagine-se, com o "importante papel" que a França pode desempenhar) as tensões entre o país do Cedro (um eufemismo, sem dúvida) e Israel. Que boa senhora, tão bem intencionada! A França está realmente muito fraca!


30.11.23

Morreu Kissinger, a velha raposa centenária.

Professor universitário muito respeitado; político prudente, cauteloso, hábil; diplomata no entanto controverso, que sabia que negociar implicava manter a presença militar forte nas frentes ativas; alemão judeu com visão pragmática e plena cidadania norte-americana. 

Seria preferível que, em alguns momentos, ele cedesse menos, apesar do cerco mais agressivo e eficaz da URSS e seus aliados aos EUA e seus aliados. Desconfio, porém, que, se não fosse a atuação dele nos anos '70, a política agressiva de Reagan não teria resultado tanto e tão rapidamente na derrota comunista. Na verdade, a sua diplomacia também enfraquecia os inimigos com quem conversava, abolia despesas com longas guerras inúteis, em que a vitória nunca estaria assegurada, e abria vias de intercâmbio económico fortalecedor do sistema dos EUA.

Para variar, há uma esquerda cega e uma direita nazi que só veem nele contributos negativos, inclusivamente acusando-o de ser responsável por milhares de mortos, por exemplo no Vietnam e no Cambodja. É fácil desmontar essas distorções, nem vale a pena gastar tempo com isso. Quanto aos 'nacionais revolucionários' (e socialistas), é claro que um judeu alemão que fugiu para os EUA por causa de Hitler nunca vai ser elogiado por eles. 

A sua biografia no The Nobel Prize.


Um obituário interessante ao nível da informação e da análise pode ser visto aqui: 

https://www.euronews.com/2023/11/30/former-us-secretary-of-state-henry-kissinger-dies-at-100 


Também me pareceu razoável, equilibrado, o resumo biográfico publicado hoje no New York Times

https://www.nytimes.com/2023/11/29/us/henry-kissinger-dead.html?auth=login-google1tap&emc=edit_ufn_20231129&login=google1tap&nl=from-the-times&te=1



29.10.23

A impotência europeia

 - no Público de hoje, 29.10.2023. 

Continua lúcida a análise de Teresa de Sousa: "Aquilo que os líderes europeus poderiam ter feito seria ligar o ataque do Hamas a Israel à guerra da Rússia contra a Ucrânia".

Ela não diz o que está certo ou errado, moralmente, por ideologia ou por religião. Faz uma análise estratégica das possíveis tomadas de posição, dando sinal da mais útil e ao mesmo tempo respeitadora dos valores da Europa democrática. 

Claro que é por aí, sem deixar de, muito claramente, denunciar a causa da crise: o ataque mais bárbaro aos judeus desde os tempos de Hitler. 


22.10.23

A 'justiça social' e um editorial do Público

O editorial do Público de 22.10.2023 é sintomático da linha seguida ultimamente pelo jornal: aí se defende que Mamadou Ba e Paddy Cosgrave não deviam ser condenados, ou seja, sofrer as consequências de afirmações suas, em regime de liberdade e de justiça isenta, que julga os crimes e não as razões políticas do momento como se faz em regimes totalitários. E porquê? Porque a justiça não deve tomar decisões sobre um crime tomando-o apenas como crime, no primeiro caso (crime de difamação). Se as posições de Machado podem incentivar o crime de assassínio sobre Alcindo Monteiro - a todos os títulos reprovável e condenável, mas sobretudo enquanto crime - também as posições de Paddy Cosgrave incentivam os atos terroristas do Hamas e também as posições de Mamadou Ba sobre matar os brancos incentivam crimes racistas. Pela mesma lógica, deviam também ser presos e condenados os dois, a par de Machado, pessoa com cujas posições, sublinho, não me identifico de maneira nenhuma. Como não me identifico com a ditadura e o terrorismo do Hamas, nem com a sua utilização da população civil para se esconder, nem com crimes de guerra que realmente o sejam, como por exemplo os praticados ultimamente pela Rússia na Ucrânia atingindo alvos civis que não escondiam armas nem militares ucranianos. E se Israel comete crimes de guerra, também eles devem ser condenados e o seu governo condenado por cometê-los. 

Porém, se alguém nos acusa de um ato que não cometemos, esse crime terá de ser condenado e mesmo por ser crime, não por ser mais ou menos político. Se o criminoso, condenado a pagar uma multa, ridícula de resto para a gravidade das suas afirmações, diz que nunca pagará, reincide em atos criminosos e se recusa a jogar o jogo da justiça, abertamente. Não respeita, não só as regras de convivência das sociedades livres (em que cada um se torna responsável pelas acusações que faz em público), como também todo o sistema de justiça. E porquê? Porque foi condenado e não queria. 

O que defende o editorial em alternativa? Um julgamento político. De acordo, claro, com a 'verdade social' defendida por David Pontes e que não é consensual, portanto não pode ser uma verdade social - coisa já de si duvidosa em países livres. O julgamento político defendido pelo editorialista seguiria cegamente o critério de que há uma responsabilidade moral de Mário Machado no crime, porque ele foi executado em nome da mesma postura política do acusado por Bá (o tal que, simbolicamente claro, queria matar os brancos que há em nós). Daí que o seu nome deva ser publicamente condenado por um assassínio que ele não cometeu e que Mamadou Ba tinha a obrigação de saber que ele não cometeu, antes de o acusar. Mas Mamadou Ba, graças ao tipo de pensamento que David Pontes exibe, sente que não tem de se responsabilizar perante a justiça pelo que diz, porque politicamente estaria certo. Para quem? 

Passando ao segundo herói do editorialista, parece que David Pontes não percebeu que o mesmíssimo argumento (a justificação política de um crime) justifica que empresas como a Google, a Amazon, a Meta e outras empresas e outros países, como Israel, se afastem da Web Summit. Há uma verdade inquestionável: o Hamas praticou dois crimes de guerra gravíssimos que geraram a atual crise militar: um massacre e uma tomada massiva de reféns - que continua a deter consigo, tendo libertado apenas duas norte-americanas. Há uma larga faixa de votantes e cidadãos livres de países livres que não se revêm no falso consenso em torno do Hamas, que os 'posts' pró-palestinos tentam impor, incluindo com uma invasão do Capitólio que, no tempo de Trump, justamente condenámos quase todos nós. 

Além disso, em países livres, as empresas são livres de participar só das iniciativas que lhes interessam. Se um organizador de uma iniciativa decide ser pró-Hamas e condenar Israel e eu, dono de empresa, rejeito essa posição, não vou participar da iniciativa dele, porque estaria a dar força ao que ele defende e eu condeno. Isto é o próprio jogo da liberdade. Em nome do quê podemos condenar empresas por se distanciarem de afirmações que legitimam os argumentos do Hamas, que mantém reféns ilegalmente? E note-se que Paddy Cosgrave não condenou o Hamas por isso, nem a Jihad Islâmica pelo foguete oportunamente falhado nas vésperas da visita de Biden, nem o Hamas por manter os reféns até agora, nem relacionou os bombardeamentos israelitas com os reféns mantidos pelo Hamas. Tardiamente, ao ver o seu posto em perigo, é que veio condenar o Hamas por ter feito reféns e um massacre. Mas só então se apercebeu disso? 

Cosgrave, como toda a 'pessoa pública', tem de assumir as suas posições, é livre de o fazer, e tem de arcar com as consequências, ou seja, tem de aceitar que 'os outros', não concordando, se afastem dele e das suas iniciativas. Se combatemos isto, combatemos a liberdade em nome da qual escrevemos. Cosgrave foi obrigado, pela pressão social, a perceber que vive numa sociedade onde a sua opinião não pode ser inquestionável e, portanto, pode ser derrubada por pressão da 'verdade social' e dos que se recusam a alinhar em eufemismos para defender os atos terroristas do Hamas, ou recusar o direito de Israel retaliar e se defender. Como o editorial indiretamente faz, por apoiá-lo, pois, quem apoia uma opinião que defende ou favorece uma organização terrorista, apoia essa organização terrorista e os seus crimes. Repare-se que David Pontes em nenhum momento reconhece que Paddy Cosgrave estava a defender o Hamas, em nenhum momento do seu texto refere os crimes do Hamas, e tenta pelo contrário, se não criminalizar, pelo menos condenar publicamente as atitudes de resistência à defesa pública dos atos do Hamas, ou à recusa pública em denunciá-los antes de denunciar os bombardeamentos israelitas que lhe respondem. Enquanto manifesta a sua opinião, está a fazê-lo em liberdade e tem o direito de o fazer; enquanto procura condenar o uso da liberdade por quem discorda dele, aproxima-se de uma tentativa de limitar ou condenar a liberdade 'dos outros'. É esse tipo de pressão, totalitária, que vem desvirtuando (pouco me importa se pela esquerda ou pela direita) o regime de liberdade em que vivemos.

Essas empresas, e Israel (o atacado por Cosgrave), ao se retirarem da web summit, não estão a mostrar "pouco amor à liberdade de expressão", mas a usar a sua liberdade para serem consequentes com a sua expressão. Já do editorial do Público, feito como está, se deduz que, sim, se pudesse, limitaria a liberdade de expressão à concordância com o que disserem Mamadou Ba e Paddy Cosgrave. O artigo de Pontes distorce mesmo a realidade. Leia-se: "ao contrário do que deveria ser sólido nas sociedades ocidentais, a liberdade de expressão se desfaz com facilidade com julgamentos errados." Ora o julgamento errado, meu caro editorialista, que pode levar à diluição prática da liberdade de expressão, parece-me ser o seu e não o de Israel defendendo-se, ou das empresas usando a sua liberdade para se recusarem a participar de eventos dirigidos por um homem tendencioso quanto ao Hamas, que lidera a faixa de Gaza com uma ditadura férrea, não com liberdade de expressão, nem com um regime comparável ao de Israel. O Hamas não admitiria que alguém o condenasse e fosse lá organizar uma web summit. Portugal, que não concorda com Paddy Cosgrave, admitiu no entanto que ele tentasse organizar um evento no país. E fez bem. O governo português e o seu presidente estão, por isso, de parabéns. A justiça portuguesa, no caso da condenação da Mamadou Ba, está igualmente de parabéns: julgou um crime enquanto crime e o deu por comprovado.


Nota posterior: no número de hoje do mesmo Público, 23.10.2023, Carmo Afonso insiste nos mesmos tópicos, como 'sementes de alfarroba'. Faziam-lhe bem, as sementes. O seu texto nada acrescenta, só repete os lugares-comuns da sua tribo. Queixa-se de um "consenso estabelecido" a favor de Israel, mas o que vemos em muita da imprensa e nas redes sociais é a tentativa de impor um 'consenso à força' a favor do Hamas. Uma vez que ela repete os mesmos argumentos, não vale a pena perder mais tempo com o seu texto. 


"Israel afunda-se na armadilha para onde foi conduzido pelo terror do Hamas. O seu justo direito de defesa assume as proporções de uma catástrofe" - este o destaque do editorial de hoje, 2.11.2023, de David Pontes no Público. Bem diferente do que já critiquei, neste mesmo 'post' ou mensagem. Muito mais equilibrado e, se não justo, revelando justeza. 

Inteiramente de acordo com quase tudo o que ele diz, apenas discordo em duas aparentes ingenuidades: a primeira vem nesse cabeçalho, é que Israel, com o Hamas dominando a Faixa de Gaza, não tem qualquer alternativa, porque os dirigentes do Hamas se escondem por trás da população civil, como toda a gente sabe e pouca gente refere. 

A segunda é uma consequência da primeira. Dizer que se deve "pôr a salvo o maior número possível de civis" e defender "a negociação da libertação dos reféns" é, no mínimo, ingénuo. Ingénuo porque entre esses civis irão ser postos a salvo dirigentes do Hamas, responsáveis diretos por esta crise. Dificilmente conseguirão passar um 'pente fino' a tal ponto que nenhum seja detetado. 

Mais ingénuo ainda, mas mais do que ingénuo, defender negociações para libertar reféns. A libertação dos reféns só pode ser incondicional. Israel disse que o prosseguimento do conflito dependia da libertação dos reféns e o Hamas começou a colocar outras condições. Ora, se a libertação dos reféns não for incondicional, estamos a aceitar a chantagem do Hamas, que também faz chantagem com os seus próprios civis. Está-se a aceitar a causa do conflito e a dizer ao Hamas - para a linguagem dele - que pode fazer mais reféns porque isso é negociável, acabarão cedendo a pelo menos uma parte da chantagem. 

O que vimos é que o Hamas, como qualquer ditador e como qualquer grupo terrorista, só cede por medo, forçado (exceção para ditadores loucos como Hitler). E foi por medo dos EUA e de outros países, tentando ao mesmo tempo criar divisões entre os aliados de Israel, que libertaram alguns estrangeiros. Em que medida os países 'beneficiados' irão compensar o Hamas pelo seu crime? 

É por estes motivos - e não por radicalismo político - inegociável a libertação dos reféns e inegociável qualquer trégua com o Hamas. O que, por sua vez, implica não ter Israel qualquer alternativa ao que fez, não por ser arrastado para uma armadilha, mas porque o Hamas domina a Faixa de Gaza, constituindo uma ditadura sem deixar as práticas terroristas. E uma ditadura, de resto, é uma forma de terrorismo de Estado... 


Uma opinião pertinente no Público de hoje, 3.11.2023 - a de Francisco Mendes da Silva (p. 8).