22.4.15

Taiwan - RPC



É verdade que, gradualmente e apesar da doutrina oficial, foram-se constituindo dois países. Durante quanto tempo a República de Taiwan conseguirá resistir a uma China em lento e seletivo retorno a práticas musculadas do maoísmo? O exemplo de Hong Kong assusta, sendo que a programação eleitoral hoje (ou ontem) divulgada confirma que os chineses não estão dispostos a admitir ilhas democráticas sob a sua alçada. Leia-se:



Yesterday’s People: Taiwan Votes Against Beijing | World Affairs Journal:



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20.4.15

Mediterrâneo das mortes


A sucessão de naufrágios e de mortes no Mediterrâneo demonstra bem o cinismo com que lidamos com problemas humanos gravíssimos e de que nos devíamos envergonhar. 

Não aponto a direção habitual: o 'cinismo ocidental'. Isso é uma história para adormecer o verdadeiro cinismo, o das pessoas que assim alienam a consciência como quem tomasse um calmante. Há, da parte dos políticos, dos comentaristas e das pessoas comuns (estas avalio pelas redes sociais) uma atitude que visa, principalmente, não falar no que está em causa. 

O que está em causa? 

1) Para a Europa, evitar uma invasão silenciosa que irá demolir rapidamente o já precário bem-estar da sua população actual. Por isso a Europa tem que se defender. 

2) Para os países do Sul do Mediterrâneo o que interessa é atirar o problema para o Norte e livrarem-se da incómoda presença desses emigrantes no seu território, estímulo da instabilidade. Por isso eles têm que deixar passar os emigrantes.

3) Para os países de onde vieram os emigrantes o que interessa é atirar o problema da fome, da miséria, do sub-desenvolvimento e das vítimas da guerra, o mais possível, para longe das suas fronteiras. Por isso os deixam partir tão facilmente. 

Talvez este conjunto de interesses explique algumas coisas. Por exemplo: há medidas simples que não são tomadas nem referidas, exceto por um ou outro europeu e timidamente. Uma delas seria a patrulha conjunta do Mediterrâneo, com patrulhas mistas de europeus e norte-africanos, enfim, de todos os países que possuem costa mediterrânica (não conheço bem propostas neste sentido, pode haver já trabalho feito e gostaria, nesse caso, de saber porque não se concretiza imediatamente). Outra, complementar, seria  a patrulha mista das fronteiras a sul do Saara e com países em guerra como a Síria e o Iraque. Porque não se fazem?

Se estivéssemos verdadeiramente preocupados com o problema, lutávamos por isso. Alguém dirá: mas patrulhar não resolve a causa. Claro que não, resolve a consequência: naufrágios, mortos, prejuízos cada vez mais avultados para todos os lados. E o que resolve o problema na sua origem?

Uma boa governação, um entendimento democrático e democratizante para que a força do voto livre substitua a força das armas livres, um desenvolvimento harmonioso e, portanto, mais uma vez, uma governação eficaz. 

É nesse sentido que os governos dos países de origem dos atuais emigrantes clandestinos devem ser substituídos. Não vale a pena os europeus meterem a cabeça debaixo do chão e os velhos esquerdistas apelarem à velha consciência de culpa, fruto de um cristianismo que renegam. Não vale a pena virem com os argumentos infantis de não-interferência na soberania alheia. Não é preciso invadir países, é preciso cobrar às suas elites os problemas que elas criaram. Para isso, é preciso que os países democráticos se livrem das dependências dos ditadores em termos de matérias-primas, acelerando por exemplo as pesquisas sobre energias alternativas, autossustentabilidade e desenvolvimento solidário. 

Por isso me parece, contrariamente ao que é muito comum afirmar-se, que os EUA têm, geralmente, uma atitude mais racional exigindo às elites locais o que lhes deve ser exigido pela comunidade internacional. Porque, se elas falham, é a mesma comunidade internacional que sofre as consequências e à mesma sem poder resolver o problema na sua origem. Em última análise, o resto da Humanidade vai depender também da substituição destas elites ou da sua reconversão democrática e progressista (no sentido único da palavra: conducente ao progresso em todos os níveis). 

Mas a Humanidade encontra-se regularmente na ONU. Isso é que me torna pessimista, porque ali ninguém parece querer chamar os problemas pelos nomes e, portanto, fica um aerópago de vaidades, um vazio de resoluções eficazes, dispendioso, uma falsificação do encontro democrático entre todos os países do mundo. A única alternativa, nesse caso, é mesmo apoiar o combate contra as elites corruptas e incompetentes. 

Sublinho incompetentes. Porque a incompetência é mais grave que a corrupção. Não vive dela, a corrupção é que vive da falta de eficácia dos governos. 

O problema no combate a essas elites é que ele tem sido mal dirigido e mal programado. Era preciso, primeiro, concertar as forças internas e dar-lhes só depois todo o apoio, expurgando desde logo todos os elementos duvidosos. Avançando sem esse pré-requisito, a 'comunidade internacional' e o 'ocidente' vão cavando abismos maiores por onde passam. Portanto, não vale a pena avançar para o abismo. 

Neste ponto igualmente, o que está errado (no apoio à reconversão ou substituição dessas elites) é a incompetência com que ele se realiza e não, propriamente, o princípio de apoio a um povo oprimido. 

E a competência começa por chamarmos cada coisa pelo seu nome. 



13.4.15

Putin humanitário vende mísseis ao Irão

Putin e Lavrov descobriram-se de repente muito preocupados com a situação no Iémen. Quando os Houtis tomaram à força o poder e ocuparam zonas onde são minoritários ou quase não existem, a Rússia estava calada. Quando os Houtis desceram para Aden e começaram a conquistar a cidade, onde não são maioria nem nada que se pareça, bombardeando, alijando mais uma vez o Presidente legal da sua residência, obrigando-o a fugir e instaurando na prática um novo poder sem o consentimento das populações, a Rússia calou-se. Não se preocupou com as vítimas dessas conquistas e invasões, nem com os injustiçados, nem com a situação humanitária de ninguém.

De repente vem Lavrov, pondo aquele ar de senhor muito sério que põe cada vez que vai mentir com todos os dentes, entre urso ameaçador e ditador cínico, e desata aos pedidos de cessar-fogo, preocupado com a crise humanitária, sugerindo diálogos.

O que se passou para essa súbita preocupação se manifestar com tanta veemência? duas coisas:

Primeira: a Arábia Saudita finalmente reagiu e começou a reforçar o armamento dos sunitas e do poder legal, ao mesmo tempo em que bombardeava posições xiitas. A preocupação era repor o poder internacionalmente reconhecido e que representa a maioria da população (os houtis não são maioria nem são todos xiitas fanáticos).

Segunda: a Rússia fez um grande negócio de armas com o Irão, aproveitando o desanuviamento trazido pelo pseudo-acordo (na verdade uma intenção de acordo) sobre o nuclear. Leiam a notícia:



Russia Lifts Ban on Advanced Anti-Aircraft Missiles to Iran | Foreign Policy:



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29.3.15

As guerras escondidas do Iémen


Uma análise bem fundamentada do processo conducente à actual situação iemenita e que explica as posições tomadas por cada parte e cada protagonista, num intrincado arrolamento de confessionalismo e política, mais uma vez. Os fundamentalismos islâmicos continuaram, por seu turno, também aqui, a sua aposta na desestabilização a qualquer custo e mesmo que isso, a prazo, se verta contra eles.



Les guerres cachées du Yémen, par Pierre Bernin (Le Monde diplomatique, octobre 2009):



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25.3.15

Mind Games: Alexander Dugin and Russia’s War of Ideas | World Affairs Journal

Mais um intelectual de serviço. Prolífico, sem dúvida.



Apenas um comentário: não se trata aqui de legitimar uma forma de nacionalismo mas uma ambição imperial de retorno à velha Rússia dominando a Eurásia.



Mind Games: Alexander Dugin and Russia’s War of Ideas | World Affairs Journal:



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11.2.15

Charlie Haram


Quando os atentados de Paris vieram mostrar ao mundo que a Europa condescente e relaxada com a sua identidade democrática colocava em risco a própria liberdade e segurança, 

muitos 'blogueiros' e cronistas de esquerda se apressaram a distrair as nossas atenções, logo no dia seguinte. Uma das distracções consistia em nos lembrarem que o Boko Haram matava mais gente na Nigéria, raptando lá crianças, mulheres e arrasando aldeias inteiras.

Estranho: de repente, pessoas que nunca se tinham preocupado com isso mostraram-se extremamente revoltadas com o Boko Haram. Viciadas como são na acusação à Europa, aos EUA e ao capitalismo por todos os males, imediatamente reclamaram o que antes costumavam criticar: uma intervenção europeia em África para combater o Boko Haram e descurar a vigilância que a França, finalmente, parecia querer fazer a sério dentro do seu próprio país. 

Pareceu-me e parece-me que África tem condições para resolver, por si, o assunto. Pareceu-me também muito irresponsável a campanha eleitoral nigeriana, secundarizando um assunto de importância fundamental para toda a região. 

A opinião pública global devia preocupar-se, claro, com o Boko Haram. Mas porque é que, em se tratando de África, têm que falar logo numa intervenção europeia, sobretudo os sectores mais à esquerda, mais anti-'imperialistas'? 

A postura a tomar é bem outra: é exigirmos todos, africanos e não-africanos, que os países africanos da região resolvam os seus problemas. E, efectivamente, é o que estão a fazer. Só podemos lamentar uma resposta tardia, mas não duvidamos de que esses países têm condições para resolver o problema por si, com a ajuda normal, não-intrusiva, normal num mundo globalizado e a simpatia da comunidade internacional. 

Parece-me que a África ao sul do Saara, neste e em alguns outros casos, começa finalmente a responder por si própria. É de saudar. 


Problemas gregos


A recente postura da Grécia tem confundido muitos analistas. Leva-os, por um lado, a repetir lugares-comuns (a Grécia não sairá da Europa, Tsipras é no fundo um social-democrata), por outro a confundir o problema económico da Grécia e a política de austeridade europeia. 

Ambos os problemas se encontram no caso grego, mas são diferentes. É preferível comparar a política de austeridade europeia com a dos EUA. Fazendo-o percebe-se razoavelmente quais os erros tácticos dessa política de austeridade. Os erros tácticos em economia têm consequências sociais que os transformam em perigos políticos graves. Em certa medida, um desses perigos era a vitória de Tsipras na Grécia.

Outro problema é o da própria Grécia como Estado inviável. Inviável porque pretende juntar uma política de paternalismo social com a aceitação perdulária de 45% dos contribuintes em falta com os seus impostos, mais uma grande percentagem de empresas a fazerem o mesmo. 

O urso do Norte (a velha Rússia, com o tsar Putin à frente, aliado à Igreja Ortodoxa e ao complexo industrial-militar) espreita e vai estendendo as garras, tornando a Grécia cada vez mais dependente da Rússia e usando-a para criar mais divisões na política internacional da UE. 

Mas o problema essencial do Estado grego não se resolve. A solução talvez mais consentânea é a de um Estado mínimo e minimalista, não-despesista e que solte as forças económicas protegendo as pequenas e médias empresas face às grandes. Isso porque o Turismo e algumas empresas (em regra de parco significado isoladamente) de alter-economia formam uma coluna importante dessa economia, para gerar empregos e sustentar um crescimento moderado, plausível, discreto mas sólido. A diversificação do escoamento dos produtos agrícolas - em grande parte destinado à Rússia - é outra medida fundamental. 

Tsipras, em vez de colocar aí a tónica central do seu discurso, atira barro à parede, tenta confundir velhos macacos e ensinar a missa ao padre, grita para afastar o medo mas também para esconder que não tem, de facto, uma alternativa credível, conjuntural e que vá para além de trocar uma 'opressão' (a europeia) por outra bem menos avançada, bem menos interessante e bem menos livre (a russa e, quem sabe, mais tarde a chinesa). Não tendo grande expressão já a ajuda da Venezuela e outros latino-americanos (para além da que venha do tráfico de drogas, usando a Grécia para entrar livremente na Europa), limita as políticas de Tsipras a isto. 

Ironicamente, nem à Rússia, nem à América-latina, nem aos traficantes de droga interessa a saída da Grécia da União Europeia. Porque é precisamente a sua presença lá que pode trazer vantagens a uma aliança com os gregos. 

Por isso é que os europeus podem falar forte. Lamentavelmente, se chefiados por Merkel, falarão forte para insistirem num erro. E Merkel, aterrorizada pela proximidade da Ucrânia, acabará cedendo aos russos até não poder mais, ou seja: até que os aliados a impeçam de o fazer.


Um artigo razoável e equilibrado sobre as relações entre Grécia, Tsipras e Rússia pode ser consultado aqui