4.1.18

A esponja partidária


Em Portugal, o Presidente da República vetou a proposta de subsídio indireto aos partidos políticos através da devolução integral do IVA que paguem em qualquer compra.

Pelo que li nos jornais, a razão é de rigor, por assim dizer, técnico: o documento não está fundamentado. Pelo que li hoje nos jornais, também, todo o processo foi, caricaturizando, mafioso, baço, ínvio, com declarações públicas que faltam à verdade e de uma extrema falta, não só de rigor legal e processual (o que é gravíssimo para quem faz e aprova leis), mas também de transparência democrática, traço que devia guiar as sociedades abertas.Mantenho-me distante do sistema de partidos porque acho que ele não representa verdadeiramente os interesses da população, antes os falseia, tanto por publicidade enganosa (que só pode ser punida em eleições se os procedimentos forem transparentes e, portanto, do conhecimento público), quanto e sobretudo pela própria estrutura de representação que eles, legalmente, dominam, controlam e limitam. A crítica aos sistemas partidocráticos e a defesa de alternativas assentes em regimes de representação corporativa, sindical, social ou personalizada, já possuem uma tradição longa de pelo menos 100 anos e diversificada, conforme os protagonistas alinham mais por uma variante ou por outra, mais à esquerda ou mais à direita, etc.. Essa tradição, por assim dizer heterodoxa, insiste sempre numa tecla fundamental: é que o próprio sistema de funcionamento das democracias partidárias leva a que os partidos se constituam, para se subsidiarem, como gigantescas esponjas de absorção do erário público ou, sejamos então moderados, como grupos de pressão visando captar apoios retirados ao 'bem comum', ao dinheiro dos contribuintes, através dos quais asseguram a sua própria sobrevivência e o seu domínio. O que se tem passado, com a novela a que assistimos durante o período de Natal e até agora na imprensa portuguesa, é mais uma vez uma batalha de papel protagonizada por pessoas, ora confusas, ora atirando areia para a cara dos outros. O artigo de opinião para o qual remeto (v. hiperligação abaixo) esclarece-nos muito bem sobre o que está em causa nesta tentativa de quase todos os partidos representativos (ou seja, com representação parlamentar) obterem subsídios imorais e injustificáveis no âmbito do atual sistema fiscal europeu. Sugiro uma comparação, tanto mais oportuna quanto mais contrastante na aparência: As reações de vários parlamentares angolanos da oposição, quando se falou na necessidade de reduzir as benesses dos deputados, a par de algumas das reações de parlamentares governistas (em particular os bajuladores do ex-presidente) mostram por outra via a mesma faceta suja do sistema partidocrático: para beneficiarem do 'bem público' e de benesses a que, normalmente, outros cidadãos responsáveis não têm direito, unem-se todos e chegam mesmo a defender o secretismo nas decisões, que aparentemente criticam e que os principais partidos políticos portugueses acabaram de praticar. A atuação desses partidos está bem desmontada no artigo de José Xavier de Basto no Público de hoje. Uma última nota sobre as estratégias retóricas e políticas dos que se puseram contra.O Presidente português aproveitou a onda, com inteligência e prudência: escuda-se numa questão aparentemente técnica, mas que na verdade incrimina os protagonistas do processo, sem no entanto assumir uma postura mais clara contra o que se pretendia com a proposta. Sintomaticamente, agiu alinhado com o CDS-PP, que é um partido que não tem problemas em pagar IVA sem ser reembolsado. O CDS-PP montou sobre a onda com a desvergonha e o sentido estratégico típicos desta liderança, a mesma de quem mandou plantar eucaliptos e, pouco depois, se pôs a criticar o governo pelas causas dos incêndios. É a segunda vez que ambos atuam alinhados e isto faz pensar que o CDS-PP é, neste momento, o principal pilar parlamentar do Presidente português para desorganizar a coligação incidental que apoia um governo que, apesar de tudo, continua sendo visto com balanço positivo pela população em geral. Para desorganizá-la, ou seja, tendo como último objetivo (suspeito) substituir esse governo por outro de inspiração presidencial e de intento, pudicamente, consensual... O PAN parece ser o único partido que, até agora, agiu em conformidade com princípios morais de atuação política. Possivelmente, por estar à margem. Mas disso ainda não sabemos.
Opinião. A festa de Natal da ignorância:



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