1.8.17

Can Trump stop the DOJ’s Russia investigation?



Em poucos meses, Trump pôs os EUA de rastos, incluindo a sua moeda. Mas está mais rico (disso pouco se fala). Os políticos dos EUA, começando pelos próprios republicanos (que tentaram evitar a eleição de uma pessoa que já conheciam, cuja incapacidade lhes era evidente, mas logo a seguir a aceitaram por mero oportunismo), os senadores principalmente, procuram desfazer as trapalhadas e a trapalhada geral que é a própria presidência deste incapaz - em parte apoiado pelo chamado tea party, gente pouco culta e que não conhece, de forma geral, a própria cultura da nova direita que levou Reagan ao poder e que não superou, ainda, as dificuldades que teve em explicar os desaires económicos subsequentes à sua doutrina e prática. Mas a trapalhada geral é outra. É mais geral. É a de uma conceção demasiado imperfeita e até ingénua da organização da democracia em sociedades livres.

Embora não tenha sido eleito por maioria de votos, os que Trump teve bastaram para a sua escolha como presidente. Entre as muitas questões que isso nos suscita, está uma que, tarde ou cedo, os países onde há liberdade vão ter de enfrentar decididamente. Uma questão fundamental, para um país livre, que é a de como organizar a representação da 'vontade do povo' (uma abstração mítica, utilizada sem definição rigorosa do que seja, sequer, isso de 'povo').

Hitler, Erdogan, Putin, Mugabe, Chávez e muitos outros, em algum momento foram mesmo eleitos pela maioria dos votantes dos respetivos países. A questão que se deve pôr é muito simples e antiga: como foi possível? e como pode o voto de um momento alterar as condições de vida e destruir a liberdade de todos os momentos futuros? Porque é isso, a liberdade, que também está em risco na tragicomédia de Trump e dos EUA.

Qualquer pessoa que ande com atenção pelas ruas, por exemplo nas ruas dos Estados Unidos, depara-se com comportamentos que a levarão a pensar, se estiver atenta a estes problemas: "este tipo também vota!". No dia-a-dia o que os votantes revelam muitas vezes (e muitos deles) são comportamentos egoístas, levianos, dissimulados, falsificadores, preconceituosos, discriminatórios, prejudiciais para a comunidade. Como devemos esperar que, ao votarem, se tornem repentinamente o contrário disso tudo? Sabendo que não vai acontecer essa mudança repentina, temos de nos perguntar: até que ponto será válido o seu voto?

Esta questão foi posta e bem posta por teóricos políticos e ideólogos anti-democráticos, uns à direita e outros à esquerda. Eles tinham razão na sua crítica e na desmontagem da validade do voto universal indiscriminado. As alternativas que apresentavam, porém, restringiam a liberdade e a representação da vontade popular. Ainda assim, não devem ser desconsideradas. Explico porquê.

É possível aproveitar algumas dessas propostas, tanto quanto algumas mais atuais e alternativas, aproveitá-las no sentido de se reorganizar a expressão da vontade das pessoas. O que é preciso, também, é fazê-lo em plena liberdade sempre, não restringindo qualquer atividade política ou partidária.

A renovação das sociedades livres apoiar-se-á, incontornavelmente, na reorganização da expressão e da representação das pessoas nas instituições do Estado, em particular nas que lhe determinam a direção e avaliam a execução. É nesse ponto que propostas como "assembleias de soldados, operários e camponeses", tanto quanto propostas de constituição de assembleias corporativas, podem ter algo a aproveitar. É uma verdade que várias ditaduras diziam que iam fazer isso. O último exemplo está na Venezuela, onde o voto direto foi parcialmente substituído, na eleição da assembleia constituinte inconstitucional, pela escolha de representantes da sociedade civil (representado organismos afetos aos governistas). Outro exemplo esteve na ditadura salazarista em Portugal, que instituiu uma Assembleia Corporativa que, no entanto, só tinha funções consultivas, não tinha poder deliberativo (esse ficava nas mãos de uma assembleia bipartidária - eufemisticamente chamada nacional - onde um partido governante seria sempre maioritário e um partido oposicionista seria sempre minoritário). Mas a perversão das propostas por poderes ditatoriais não as invalida, precisamente porque esse poder não as aplica.

A renovação das sociedades livres, com eleições regulares e abertas, deve pressupor uma responsabilização do voto. Essa responsabilização só pode ser exigida quando ao votante se pede que faça escolhas sobre assuntos e territórios que ele conhece bem. Se não, temos o que temos hoje: os votantes votam num programa abstrato e longo, parcial e obscuramente explicado, que não vai ler e, lendo, muitas vezes nem percebe muito bem, vota num dirigente, num partido, numa votação muito abstrata, coisa de cartaz e, portanto, o seu voto é uma carta branca, na prática, um cheque em branco para o ganhador fazer o que quiser depois da eleição. É essa brecha que os ditadores contemporâneos têm aproveitado muito bem - a par de outras. E que Trump soube aproveitar sem ter, no entanto, a noção do que fazer a seguir, sem estratégia para o dia seguinte, porque ele é demasiado parecido com muitos dos seus votantes.

As propostas corporativas e de assembleias de 'soldados, operários e camponeses' (igualmente corporativas, mas eliminando a maioria das 'classes'), bem como de listas municipais e nacionais independentes dos partidos, são um ponto de arranque para a conceção de uma nova democracia, uma democracia na qual o sistema de escolha e de representação deve ser orgânico, para que os votantes escolham dentro da sua profissão, do seu município, entre assuntos que dominam e escolhendo pessoas que, tanto quanto possível, conhecem, estão por perto, podem ser identificadas no quotidiano.

A extraordinária complexidade das sociedades livres de hoje aconselha, porém, a caminharmos cautelosamente e gradualmente, para não darmos azo a novas ditaduras e para não cometermos reducionismos. Esse é, ou deve ser, um processo lento de modificação gradual dos métodos de escolha e de representação, bem como dos métodos de avaliação das governações locais e nacionais. Talvez seja aconselhável aproveitar uma tendência tímida, ainda limitada, mas por isso mesmo controlável 'cientificamente', melhor dito: por tentativa e correção dos erros. A tendência é a de o sistema partidário (que veio o constituir, na prática, uma oligarquia asfixiante, cada vez menos ineficaz e responsável), abrir brechas ao nível autárquico para se ensaiarem formas alternativas de representação, escolha e controlo da governação.

Por exemplo: escolher os cabeças de lista por candidaturas personalizadas e as assembleias municipais por eleições indiretas através da eleição de três representantes por área de atividade (um representando patronato, gestão, administração; outro representando trabalhadores abaixo do nível de direção central e o terceiro os consumidores frequentes) e dois representantes por freguesia (um escolhido pelas juntas de freguesia, outro pelos moradores diretamente). É claro que definir isto legalmente, pensando nos muitos 'pormenores' e 'pormaiores' implicados, é muito difícil e pede tempo. O exemplo mais difícil afigura-se-me este: como definir os 'consumidores frequentes'? Com base na faturação anual que apresentam? Isso é justo? Ignorá-los, porém, será solução? Substituí-los por associações de consumidores? Os problemas são mais complexos do que parecem. Portanto, mesmo a um nível local, as soluções orgânicas implicam uma tal interatividade que teremos de ir experimentando gradualmente propostas parciais, que alterem uma parcela do sistema atual até se consolidarem ou se aperfeiçoarem. É um trabalho moroso, coletivo (portanto, cheio de suscetibilidades), mas responsável e participado, livre e democrático.

A constituição dessas novas assembleias por estratos que tendem a vigiar-se uns aos outros resolve, por isso mesmo, resolve melhor o controlo da governação local. E permite pensar no nível seguinte, redimensionando as dificuldades e as possibilidades.

Se esse trabalho não for feito, a avalanche de 'espertos' e de 'atrevidos', com poções mágicas escondendo faturas dolorosas, aumentará a tal ponto que as sociedades livres deixarão de o ser. E a resposta dos 'gurus' do povo dos cafés reais e virtuais, luxuosos e populares, a resposta é sempre a mesma: calar a investigação, neutralizar o controlo, criar avaliações fantoches da atividade política geral e da governativa em particular. Pelo mesmo perigo enfrentado por Trump e a que se refere o artigo: o da própria sobrevivência dos providenciais artistas deste circo macabro.

O artigo pode ser lido a partir da hiperligação abaixo:

Can Trump stop the DOJ’s Russia investigation?:



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