A propaganda russa manipula bem o saudosismo pela antiga URSS. Muitos anti-imperialistas dos anos 60 a 80 vibram com entusiasmo quando a Rússia de Putin desfere mais um golpe na liberdade e na vontade de países independentes e que o são, de facto, porque a URSS acabou.
Ao mesmo tempo a propaganda russa encobre o mais que pode a instalação e consolidação de um disfarçado regime de partido único. A rejeição de candidatos 'perigosos' tem aumentado, bem como a sua prisão, sobretudo se denunciam o imperialismo russo. A velha esquerda internacionalista e revivalista, habituada que estava a colaborar nisso, de bom grado contribui sem pedir nada em troca.
Mas o regime de Putin não tem nada de esquerda, nem de marxismo. É uma espécie de salazarismo russo, com a diferença do acentuado militarismo e expansionismo.
O expansionismo russo toma por base, como o hitleriano, as comunidades russas em países vizinhos. Com essa desculpa Hitler invadiu tudo o que podia até o Ocidente entender, por fim, que não havia paz possível. Putin faz o mesmo em nome dos russófonos.
Uma pergunta fundamental para compreendermos a sua política é: quem são estes russófonos e como foram para ali?
A propaganda soviética legitimava o expansionismo russo afirmando que precisava de criar unidade popular entre os vários componentes da União. Porém, em nome disso, o que fez? Tornou em minorias, ou maiorias escassas, os povos de uma dada região transferindo-os forçadamente para outros países da ex-URSS. Esses povos tiveram que integrar-se nas novas comunidades, tiveram que aprender russo e, muitos deles, tiveram simplesmente de desintegrar-se para sobreviverem nos novos países, assimilando a cultura e a língua russas e tornando-se, portanto, mais um factor favorável ao expansionismo russo.
Os russófonos, porém, de que falo não são esses, são os da outra face da moeda. Tal como esses tinham que abandonar a terra natal sua e dos seus antepassados, outros vinham ocupar os seus lugares. Eram russos, geralmente operários, com pouca educação, com salários baixos mas desfrutando de regalias e facilidades práticas por virem da Rússia, centro do poder da ex-URSS.
A maioria esmagadora dessas comunidades funcionou e funciona como colónias: não adquirem as línguas locais, não se integram nas comunidades locais e só entram na vida política local para defender a aproximação maior ainda com a Rússia.
A intervenção putinesca em favor destas comunidades é, na verdade, a manipulação do seu saudosismo a favor do novo expansionismo russo. A sua actuação visa consolidar uma política meramente colonial, em que uma comunidade exógena se impões às locais ou tenta fazê-lo, sem qualquer respeito pelas suas especificidades.
A velha esquerda dos anos 60 a 80 e seus resquícios actuais, ainda raivosa pela vitória do capitalismo sobre o capitalismo de Estado, coloca-se afinal na defesa do último colonialismo direto do mundo.
Para quem vê de fora, a incongruência é clara. Tanto quanto a perceção de que não é geralmente esse o seu lugar.
Já o mesmo não se passa com a extrema-direita europeia. Essa extrema-direita é extremamente parecida com o putinismo: põe um verniz de democracia sobre as garras mas, na verdade, procura ir instalando - aparentemente por mecanismos democráticos legais - ou protegendo ou divulgando políticas ditatoriais.
O combate à emigração passa por isso. Para os operários franceses, ex-PCF ou seus filhos, é o combate novo pelo emprego. Para os dirigentes europeus é a manipulação do desemprego para expulsar todos os que não se integrem numa visão fundamentalista dos seus países. É o mesmo que Putin promove com a Igreja Ortodoxa por exemplo. Os estrangeiros têm que se integrar e assimilar totalmente na cultura das nações a que chegam.
Se, por um lado, parece compreensível que os estrangeiros sejam obrigados a respeitar as culturas nacionais dos países a que chegam, isso não implica necessariamente assimilação, abandono das suas culturas de origem, significa apenas que, em havendo choques culturais, a cultura que domina legalmente é a dos países receptores. Portanto significa que os grupos de emigrantes não podem exercer pressões no sentido de colonizarem os países que os receberam com a imposição do seu fundamentalismo. Ou seja: é compreensível a rejeição da transformação do emigrante em colono.
Mas a extrema-direita não quer isso. Ela quer, simplesmente, o apagamento dos traços culturais próprios de estrangeiros que vivam no país. E que os seus nacionais, por seu turno, não tenham que sofrer o mesmo quando vivem fora da sua pátria. Por isso a extrema-direita europeia se dá bem com o fundamentalismo nos outros países. A ideia é a de que, se "os vossos pais lutaram pela independência", agora curtam-na, fiquem lá na terra deles a viver à vossa maneira e nós ficamos na Europa a viver à nossa maneira. É uma rejeição total e egoísta do processo cultural multímodo gerado pela globalização. Nesse aspecto a mesma que orienta Bin-Laden e... Putin.
O dirigente russo conhece tudo isto muito bem. Daí que ele namore, não a velha esquerda europeia, mas a nova extrema-direita. Estes nacionalismos, tendencialmente imperialistas e, portanto, contraditórios, é que antes e até hoje conduzem a guerras, em geral desastrosas porque as guerras raramente se fazem para a felicidade dos povos.
De onde que não me surpreendam as informações que servem de base à análise para que remete a hiperligação. A velha esquerda e mesmo os velhos liberais é que deviam tomar isso mais a sério:
Strange Bedfellows: Putin and Europe’s Far Right | World Affairs Journal:
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