31.8.17

Tensão nas Coreias



A China aparenta o papel de pacificadora, mas não o é, porque também a China não quer exercícios militares dos EUA próximo das suas fronteiras, muito menos democracias. Assim alimenta (é o termo certo) o regime do Norte, que é o único instrumento que tem para pressionar com eficácia os EUA ali e manter uma zona-tampão entre um país democrático, de economia potente, e a sua ditadura dos 'dois sistemas' - uma autêntica 'chinesice'.



A Rússia ensaiou o mesmo papel, mas é um importador privilegiado da Coreia da Norte, com isso a alimentando (e com algum armamento vendido à socapa). Na verdade, também a Rússia não tem qualquer interesse em ver cair o regime ditatorial instalado ali, chegando-se a democracia mais perto da Mongólia que está bem assim, atrasada, medieval, sem dinâmica própria, paralisada por uma velha elite que tanto pode ser comunista quanto monárquica e oligárquica.



Isto e as asneiras de Trump, que é uma criança com idade para ser avô, leva a que o regime norte-coreano possa cada vez ir mais longe (literalmente). As simulações de resposta não são de hoje e, na verdade, não alteram nada. A menos que os EUA decidissem um ataque fulminante destruindo o regime em poucas horas e estas simulações testassem as possibilidades de o conseguir. Do que duvido, pelo acima exposto e porque Trump não me parece corajoso.



Teste - EUA, Coreia do Sul e Japão respondem a Pyongyang com simulação de bombardeamento:



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27.8.17

Ribeiro e Castro Reformar o sistema eleitoral é preciso



Esta entrevista de Ribeiro e Castro pareceu-me interessante. Propõe um pequeno passo, equilibrando o sistema uninominal com as compensações através do círculo nacional, um passo que, no entanto, no interior das democracias, permite aprofundá-las, tornar a relação eleito-eleitor mais autêntica. Pelo menos acredita-se que sim:



Ribeiro E Castro - Ribeiro e Castro. Reformar o sistema eleitoral é preciso. "Agora o eleitor não toca na bola":



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Um pequeno texto explicativo do que são os círculos uninominais vem no Economia & Finanças e, de certa forma, faz um contraditório: 



https://economiafinancas.com/2014/o-que-sao-circulos-uninominais/ 


10.8.17

Católicos denunciam fundamentalismo hindu



Podemos usar as expressões: Europa das Nações, África das Nações? Podemos falar das várias nações de que foi constituído um país - por exemplo a Espanha, Angola? Será isso nacionalismo? O nacionalismo coexistirá com minorias? 



Infelizmente o nacionalismo, seja ele qual for, hoje é somente fundamentalismo básico, primário, para legitimar hegemonias que são, sobretudo, familiares e económicas. Associa, geralmente, uma opção religiosa a um projeto de nação e ao predomínio de uma 'casta'. A religião, tendencialmente, é a da maioria dos cidadãos, agora tomados como submissos professos e não como cidadãos. A intolerância religiosa torna-se (novamente) o instrumento para construir o futuro nacional. As minorias, religiosas e étnicas, derivadas de antigas nações ou colonizações ou pregações mais e menos pacíficas, essas contribuem para o projeto anulando-se, apagando-se, em nome da hegemonia. Reduzir tudo ao que parece principal porque maioritário. Este reducionismo básico é um dos truques dos fundamentalistas atuais em todo o mundo (nacionalismo... global). Desmontando-o, cai o edifício. Mas a sua base começou por ser democrática: a maioria é que decide. Se a maioria decidir abafar as minorias, isso também é democrático. Não será liberal, não será da liberdade, mas será democrático (a vontade do 'povo' é a vontade da maioria dos votos). A democracia contém estes e outros ingredientes explosivos e muitas democracias embarcaram na conotação entre maioria, etnia, religião e até cor da pele. Assim um país de maioria xiita deve ser governado por xiitas, por exemplo. E se a maioria dos xiitas decidir eliminar os outros, as outras etnias e antigas nações que não foram por aí? É democrático. Também histórico: aproveitando-se dessas fragilidades das democracias, Hitler tomou o poder em nome da 'raça ariana' e tentou eliminar os judeus (e os ciganos e os pretos e os... outros todos). A tal 'raça ariana' tinha uma longa história, mal esclarecida e ignorada pelos nazis, uma longa história com a Índia - e não com a de Gandhi, apesar das alianças táticas... Partilham parcialmente os mesmos genes originais.



Podemos falar nas nações de que se compôs a Índia? Não, segundo o fundamentalismo hindu. Podemos conciliar nacionalismo e opções religiosas como se tentou fazer na Bósnia Herzegovina? Também não, para o fundamentalismo hindu. E muito menos os católicos de Goa podem existir, porque a sua identidade é perigosa para a legitimação de um Estado totalitário hindu. Mais perigosa ainda se atentarmos aos aspetos da doutrina que levaram a combater ou denunciar a escravatura, as ditaduras, as várias opressões e os vários totalitarismos (em muitos casos tarde, mas ainda assim foi melhor que nunca). Mas disto os hindus e os católicos ainda não falam. Só da constitucionalidade das atitudes. É um caminho... 



Leiam só isto: 



Panaji: India's largest and oldest forum of lay Catholics,
the All India Catholic Union (AICU), has urged president Ram
Chandra Kovind and federal government to initiate action
against "hate mongers" who continue to polarize society
against religious minorities.

The Union in a statement denounced the "hate speeches that
emanated from the recent" Hindu conclave in Goa and said such
talks have further vitiated the already "surcharged
atmosphere, and aggravated the communal polarization in the
country."

They were referring to a June 15-17 conclave of some 130
pro-Hindu organizations in Goa, where several speakers spoke
in support of violence to establish a Hindu-alone nation.
Hindu nun Sadhvi Saraswati, who addressed the conclave,
sought death penalty for those slaughtering cows.

"The politics of the cow has targeted Muslims and other
communities whose food habits and economy depended on the
trade in bovines. Its ramifications have not been fully
understood, and AICU fears they will irretrievably damage the
economic health of the farmers and the poor," said the
statement, issued after a special July 28 AICU gathering in
Goa.

Since 2015, several people across India have fallen victim to
incidents of mob lynching related to religious intolerance.
In the first six months of 2017, media reported 20 cases of
violence related to cow protection, much more than any time
in the past decade. At least 28 people were killed in
cow-related violence between 2010 and 2017, of which 97
percent were Muslims, according to media reports.

The Union's special gathering was convened in connection with
its centenary in 2019, which is also the year of next general
elections. It aimed to discuss the existing social situation
in the nation and register Church's response, said its
spokesperson John Dayal.

The Union also expressed its alarm over the attempts by the
Central and State governments to "saffronise" education in
the country by changes to curricula, text books and teaching.
If left unchecked, the move will make coming generations
"unfit for scientific reasoning" and "misfits in a modern
world," it warned.

While reviewing of the situation in Goa, the
meeting expressed solidarity with the demand of the
Catholic Association of Goa for the setting up of a
Minority Commission in the state, where it said
"bodies meant to safeguard constitutional rights
were dysfunctional."

"A major fear of the people is of moves to nationalize rivers
of Goa to open them to the corporate sector as transport
routes for coal. Any proposal to make a coal transport hub
poses serious threat to the health of the rivers and its
ecology," the statement said.

The Union also backed the Catholic Community of Mumbai, the
capital of neighboring Maharashtra, which has been fighting
the desecration of crosses, and their arbitrary demolition
despite authentic documentation of their antiquity.

It noticed that the people had often "voluntary shifted
crosses if they felt it was in the national cause. It was in
line with the Christian community giving up a church so that
India's rocket and space sciences could have their first base
in Kerala," said the statement.

It also noted the "mischief inherent in efforts by the Mumbai
authorities in evolving development plans for the city
without acknowledging the presence of churches and other
Christian institutions. This makes them venerable to
demolition in the future. The government must take remedial
action immediately," the Union said.

* * *
http://www.ucanindia.in/news/catholic-union-seeks-action-against-hate-mongers/35274/daily

Católicos denunciam fundamentalismo hindu



Podemos usar as expressões: Europa das Nações, África das Nações? Podemos falar das várias nações de que foi constituído um país - por exemplo a Espanha, Angola? Será isso nacionalismo? O nacionalismo coexistirá com minorias? 



Infelizmente o nacionalismo, seja ele qual for, hoje é somente fundamentalismo básico, primário, para legitimar hegemonias que são, sobretudo, familiares e económicas. Associa, geralmente, uma opção religiosa a um projeto de nação e ao predomínio de uma 'casta'. A religião, tendencialmente, é a da maioria dos cidadãos, agora tomados como submissos professos e não como cidadãos. A intolerância religiosa torna-se (novamente) o instrumento para construir o futuro nacional. As minorias, religiosas e étnicas, derivadas de antigas nações ou colonizações ou pregações mais e menos pacíficas, essas contribuem para o projeto anulando-se, apagando-se, em nome da hegemonia. Reduzir tudo ao que parece principal porque maioritário. Este reducionismo básico é um dos truques dos fundamentalistas atuais em todo o mundo (nacionalismo... global). Desmontando-o, cai o edifício. Mas a sua base começou por ser democrática: a maioria é que decide. Se a maioria decidir abafar as minorias, isso também é democrático. Não será liberal, não será da liberdade, mas será democrático (a vontade do 'povo' é a vontade da maioria dos votos). A democracia contém estes e outros ingredientes explosivos e muitas democracias embarcaram na conotação entre maioria, etnia, religião e até cor da pele. Assim um país de maioria xiita deve ser governado por xiitas, por exemplo. E se a maioria dos xiitas decidir eliminar os outros, as outras etnias e antigas nações que não foram por aí? É democrático. Também histórico: aproveitando-se dessas fragilidades das democracias, Hitler tomou o poder em nome da 'raça ariana' e tentou eliminar os judeus (e os ciganos e os pretos e os... outros todos). A tal 'raça ariana' tinha uma longa história, mal esclarecida e ignorada pelos nazis, uma longa história com a Índia - e não com a de Gandhi, apesar das alianças táticas... Partilham parcialmente os mesmos genes originais.



Podemos falar nas nações de que se compôs a Índia? Não, segundo o fundamentalismo hindu. Podemos conciliar nacionalismo e opções religiosas como se tentou fazer na Bósnia Herzegovina? Também não, para o fundamentalismo hindu. E muito menos os católicos de Goa podem existir, porque a sua identidade é perigosa para a legitimação de um Estado totalitário hindu. Mais perigosa ainda se atentarmos aos aspetos da doutrina que levaram a combater ou denunciar a escravatura, as ditaduras, as várias opressões e os vários totalitarismos (em muitos casos tarde, mas ainda assim foi melhor que nunca). Mas disto os hindus e os católicos ainda não falam. Só da constitucionalidade das atitudes. É um caminho... 



Leiam só isto: 



Panaji: India's largest and oldest forum of lay Catholics,
the All India Catholic Union (AICU), has urged president Ram
Chandra Kovind and federal government to initiate action
against "hate mongers" who continue to polarize society
against religious minorities.

The Union in a statement denounced the "hate speeches that
emanated from the recent" Hindu conclave in Goa and said such
talks have further vitiated the already "surcharged
atmosphere, and aggravated the communal polarization in the
country."

They were referring to a June 15-17 conclave of some 130
pro-Hindu organizations in Goa, where several speakers spoke
in support of violence to establish a Hindu-alone nation.
Hindu nun Sadhvi Saraswati, who addressed the conclave,
sought death penalty for those slaughtering cows.

"The politics of the cow has targeted Muslims and other
communities whose food habits and economy depended on the
trade in bovines. Its ramifications have not been fully
understood, and AICU fears they will irretrievably damage the
economic health of the farmers and the poor," said the
statement, issued after a special July 28 AICU gathering in
Goa.

Since 2015, several people across India have fallen victim to
incidents of mob lynching related to religious intolerance.
In the first six months of 2017, media reported 20 cases of
violence related to cow protection, much more than any time
in the past decade. At least 28 people were killed in
cow-related violence between 2010 and 2017, of which 97
percent were Muslims, according to media reports.

The Union's special gathering was convened in connection with
its centenary in 2019, which is also the year of next general
elections. It aimed to discuss the existing social situation
in the nation and register Church's response, said its
spokesperson John Dayal.

The Union also expressed its alarm over the attempts by the
Central and State governments to "saffronise" education in
the country by changes to curricula, text books and teaching.
If left unchecked, the move will make coming generations
"unfit for scientific reasoning" and "misfits in a modern
world," it warned.

While reviewing of the situation in Goa, the
meeting expressed solidarity with the demand of the
Catholic Association of Goa for the setting up of a
Minority Commission in the state, where it said
"bodies meant to safeguard constitutional rights
were dysfunctional."

"A major fear of the people is of moves to nationalize rivers
of Goa to open them to the corporate sector as transport
routes for coal. Any proposal to make a coal transport hub
poses serious threat to the health of the rivers and its
ecology," the statement said.

The Union also backed the Catholic Community of Mumbai, the
capital of neighboring Maharashtra, which has been fighting
the desecration of crosses, and their arbitrary demolition
despite authentic documentation of their antiquity.

It noticed that the people had often "voluntary shifted
crosses if they felt it was in the national cause. It was in
line with the Christian community giving up a church so that
India's rocket and space sciences could have their first base
in Kerala," said the statement.

It also noted the "mischief inherent in efforts by the Mumbai
authorities in evolving development plans for the city
without acknowledging the presence of churches and other
Christian institutions. This makes them venerable to
demolition in the future. The government must take remedial
action immediately," the Union said.

* * *
http://www.ucanindia.in/news/catholic-union-seeks-action-against-hate-mongers/35274/daily

1.8.17

Can Trump stop the DOJ’s Russia investigation?



Em poucos meses, Trump pôs os EUA de rastos, incluindo a sua moeda. Mas está mais rico (disso pouco se fala). Os políticos dos EUA, começando pelos próprios republicanos (que tentaram evitar a eleição de uma pessoa que já conheciam, cuja incapacidade lhes era evidente, mas logo a seguir a aceitaram por mero oportunismo), os senadores principalmente, procuram desfazer as trapalhadas e a trapalhada geral que é a própria presidência deste incapaz - em parte apoiado pelo chamado tea party, gente pouco culta e que não conhece, de forma geral, a própria cultura da nova direita que levou Reagan ao poder e que não superou, ainda, as dificuldades que teve em explicar os desaires económicos subsequentes à sua doutrina e prática. Mas a trapalhada geral é outra. É mais geral. É a de uma conceção demasiado imperfeita e até ingénua da organização da democracia em sociedades livres.

Embora não tenha sido eleito por maioria de votos, os que Trump teve bastaram para a sua escolha como presidente. Entre as muitas questões que isso nos suscita, está uma que, tarde ou cedo, os países onde há liberdade vão ter de enfrentar decididamente. Uma questão fundamental, para um país livre, que é a de como organizar a representação da 'vontade do povo' (uma abstração mítica, utilizada sem definição rigorosa do que seja, sequer, isso de 'povo').

Hitler, Erdogan, Putin, Mugabe, Chávez e muitos outros, em algum momento foram mesmo eleitos pela maioria dos votantes dos respetivos países. A questão que se deve pôr é muito simples e antiga: como foi possível? e como pode o voto de um momento alterar as condições de vida e destruir a liberdade de todos os momentos futuros? Porque é isso, a liberdade, que também está em risco na tragicomédia de Trump e dos EUA.

Qualquer pessoa que ande com atenção pelas ruas, por exemplo nas ruas dos Estados Unidos, depara-se com comportamentos que a levarão a pensar, se estiver atenta a estes problemas: "este tipo também vota!". No dia-a-dia o que os votantes revelam muitas vezes (e muitos deles) são comportamentos egoístas, levianos, dissimulados, falsificadores, preconceituosos, discriminatórios, prejudiciais para a comunidade. Como devemos esperar que, ao votarem, se tornem repentinamente o contrário disso tudo? Sabendo que não vai acontecer essa mudança repentina, temos de nos perguntar: até que ponto será válido o seu voto?

Esta questão foi posta e bem posta por teóricos políticos e ideólogos anti-democráticos, uns à direita e outros à esquerda. Eles tinham razão na sua crítica e na desmontagem da validade do voto universal indiscriminado. As alternativas que apresentavam, porém, restringiam a liberdade e a representação da vontade popular. Ainda assim, não devem ser desconsideradas. Explico porquê.

É possível aproveitar algumas dessas propostas, tanto quanto algumas mais atuais e alternativas, aproveitá-las no sentido de se reorganizar a expressão da vontade das pessoas. O que é preciso, também, é fazê-lo em plena liberdade sempre, não restringindo qualquer atividade política ou partidária.

A renovação das sociedades livres apoiar-se-á, incontornavelmente, na reorganização da expressão e da representação das pessoas nas instituições do Estado, em particular nas que lhe determinam a direção e avaliam a execução. É nesse ponto que propostas como "assembleias de soldados, operários e camponeses", tanto quanto propostas de constituição de assembleias corporativas, podem ter algo a aproveitar. É uma verdade que várias ditaduras diziam que iam fazer isso. O último exemplo está na Venezuela, onde o voto direto foi parcialmente substituído, na eleição da assembleia constituinte inconstitucional, pela escolha de representantes da sociedade civil (representado organismos afetos aos governistas). Outro exemplo esteve na ditadura salazarista em Portugal, que instituiu uma Assembleia Corporativa que, no entanto, só tinha funções consultivas, não tinha poder deliberativo (esse ficava nas mãos de uma assembleia bipartidária - eufemisticamente chamada nacional - onde um partido governante seria sempre maioritário e um partido oposicionista seria sempre minoritário). Mas a perversão das propostas por poderes ditatoriais não as invalida, precisamente porque esse poder não as aplica.

A renovação das sociedades livres, com eleições regulares e abertas, deve pressupor uma responsabilização do voto. Essa responsabilização só pode ser exigida quando ao votante se pede que faça escolhas sobre assuntos e territórios que ele conhece bem. Se não, temos o que temos hoje: os votantes votam num programa abstrato e longo, parcial e obscuramente explicado, que não vai ler e, lendo, muitas vezes nem percebe muito bem, vota num dirigente, num partido, numa votação muito abstrata, coisa de cartaz e, portanto, o seu voto é uma carta branca, na prática, um cheque em branco para o ganhador fazer o que quiser depois da eleição. É essa brecha que os ditadores contemporâneos têm aproveitado muito bem - a par de outras. E que Trump soube aproveitar sem ter, no entanto, a noção do que fazer a seguir, sem estratégia para o dia seguinte, porque ele é demasiado parecido com muitos dos seus votantes.

As propostas corporativas e de assembleias de 'soldados, operários e camponeses' (igualmente corporativas, mas eliminando a maioria das 'classes'), bem como de listas municipais e nacionais independentes dos partidos, são um ponto de arranque para a conceção de uma nova democracia, uma democracia na qual o sistema de escolha e de representação deve ser orgânico, para que os votantes escolham dentro da sua profissão, do seu município, entre assuntos que dominam e escolhendo pessoas que, tanto quanto possível, conhecem, estão por perto, podem ser identificadas no quotidiano.

A extraordinária complexidade das sociedades livres de hoje aconselha, porém, a caminharmos cautelosamente e gradualmente, para não darmos azo a novas ditaduras e para não cometermos reducionismos. Esse é, ou deve ser, um processo lento de modificação gradual dos métodos de escolha e de representação, bem como dos métodos de avaliação das governações locais e nacionais. Talvez seja aconselhável aproveitar uma tendência tímida, ainda limitada, mas por isso mesmo controlável 'cientificamente', melhor dito: por tentativa e correção dos erros. A tendência é a de o sistema partidário (que veio o constituir, na prática, uma oligarquia asfixiante, cada vez menos ineficaz e responsável), abrir brechas ao nível autárquico para se ensaiarem formas alternativas de representação, escolha e controlo da governação.

Por exemplo: escolher os cabeças de lista por candidaturas personalizadas e as assembleias municipais por eleições indiretas através da eleição de três representantes por área de atividade (um representando patronato, gestão, administração; outro representando trabalhadores abaixo do nível de direção central e o terceiro os consumidores frequentes) e dois representantes por freguesia (um escolhido pelas juntas de freguesia, outro pelos moradores diretamente). É claro que definir isto legalmente, pensando nos muitos 'pormenores' e 'pormaiores' implicados, é muito difícil e pede tempo. O exemplo mais difícil afigura-se-me este: como definir os 'consumidores frequentes'? Com base na faturação anual que apresentam? Isso é justo? Ignorá-los, porém, será solução? Substituí-los por associações de consumidores? Os problemas são mais complexos do que parecem. Portanto, mesmo a um nível local, as soluções orgânicas implicam uma tal interatividade que teremos de ir experimentando gradualmente propostas parciais, que alterem uma parcela do sistema atual até se consolidarem ou se aperfeiçoarem. É um trabalho moroso, coletivo (portanto, cheio de suscetibilidades), mas responsável e participado, livre e democrático.

A constituição dessas novas assembleias por estratos que tendem a vigiar-se uns aos outros resolve, por isso mesmo, resolve melhor o controlo da governação local. E permite pensar no nível seguinte, redimensionando as dificuldades e as possibilidades.

Se esse trabalho não for feito, a avalanche de 'espertos' e de 'atrevidos', com poções mágicas escondendo faturas dolorosas, aumentará a tal ponto que as sociedades livres deixarão de o ser. E a resposta dos 'gurus' do povo dos cafés reais e virtuais, luxuosos e populares, a resposta é sempre a mesma: calar a investigação, neutralizar o controlo, criar avaliações fantoches da atividade política geral e da governativa em particular. Pelo mesmo perigo enfrentado por Trump e a que se refere o artigo: o da própria sobrevivência dos providenciais artistas deste circo macabro.

O artigo pode ser lido a partir da hiperligação abaixo:

Can Trump stop the DOJ’s Russia investigation?:



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Líderes da oposição venezuelana levados para parte incerta

A verdadeira face do 'socialismo do século XXI':



Líderes da oposição venezuelana levados para parte incerta:



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Claro que Putin, Erdogan e a coligação de ditadores do mundo aplaudem. Os saudosos do socialismo do século XIX também...

13.7.17

A falácia do “racismo inverso” - PÚBLICO


Continuamos a trabalhar sobre sofismas, quanto a isto também (siga a hiperligação no fim deste texto). E a legitimar a continuidade de 'racismo' sob o argumento da compensação. 


Vejamos alguns equívocos. 


1) A autora cita anúncios que bem conheço. Confesso que, por vezes, interrompo a leitura dos jornais brasileiros do princípio do século XIX porque me mete nojo aquilo tudo. Tenho de parar por um tempo, espairecer, pensar e repensar como foi possível tudo isso e o que foi tudo isso. Depois regresso. Mas não sei: a) quem eram as pessoas que punham os anúncios; b) filhos e netos de que heranças, incluindo as genéticas; c) a quem compravam os escravos aqueles que os vendiam e aqueles que os levavam de uma costa para outra compravam a quem. Daqui derivam algumas questões que vão voltar ainda.


2) Cito: "[a Revolução Industrial] originaria o fim legal do tráfico, mas não o da Escravatura, que servia a industrialização e o desenvolvimento a Ocidente por mais algum tempo." Continuando a existir situações de escravatura denunciadas internacionalmente e praticadas por árabes; continuando a haver situações de escravatura, para dar outro exemplo, em várias zonas da China, onde os jovens têm uma expectativa de vida de poucos anos; há condições para reduzir a questão ao "desenvolvimento a Ocidente por mais algum tempo"? Não foi, certamente, isso que prolongou a escravatura, por exemplo, em África e entre os árabes. 


3) Cito: "é deste contexto que surge o que denominamos de racismo, uma opressão histórica, violência sistémica, uma relação de poder e de profunda desigualdade. E é por isso que o racismo está intrinsecamente, e historicamente, ligado à inferiorização dos negros (e não dos brancos)." O contexto em causa é o do tráfico transatlântico de escravos. Mas o racismo, infelizmente, é muito anterior ao tráfico transatlântico, tanto quanto "opressão histórica, violência sistémica, uma relação de poder e de profunda desigualdade." Praticamente, num espaço-tempo de onde haja muitos escritos há passagens escritas que manifestam racismo e discriminam em função da 'raça'. O racismo não nasce, portanto, do tráfico de escravos - tanto quanto a escravatura não nasceu (nem, realmente, morreu) aí. Não podemos reduzi-lo à "origem do capitalismo", nem ao seu "desenvolvimento" tardio. Pelo contrário, sabemos que, em parte (na parte, justamente, que aos EUA diz respeito), foi o desenvolvimento do capitalismo que, pelos seus próprios interesses (alargar o mercado de consumo, obter mão-de-obra sem compromissos além do curto salário, etc.), levou à abolição da escravatura. A guerra civil nos EUA foi uma guerra de agrários que não se integravam no processo capitalista (e defendiam a continuação da escravatura) contra os industriais que precisavam de novas regras de trabalho e de rever os custos da produção de riqueza, bem como do seu consumo.


4) "há gente que usufrui ainda hoje do privilégio da herança escravocrata". Logo em seguida, essa "gente" é conotada com os europeus, ou brancos, e os escravizados, uma vez mais, com os negros - os tais dos anúncios, onde havia outros anúncios que, por exemplo no Jornal do Comércio do Brasil, ofereciam e alugavam pessoas livres vindas de Portugal - aspetos que não têm sido considerados. Houve, de facto, sobretudo no século XIX, por generalização a partir de um tráfico feito entre África negra e Américas, uma conotação entre negro-escravo e branco-escravocrata. Mas essa generalização foi abusiva (houve escravos brancos no Egito, como lembra Cheikh Anta Diop; houve escravos orientais na América e em Portugal e escravos oriundos do Norte de África em Portugal também) e, portanto, não podemos basear-nos nessa para raciocinarmos hoje. Ora, a conclusão a que chega a articulista baseia-se exclusivamente nessa generalização abusiva. Claro que a maioria dos 'brancos' não beneficia hoje da herança escravocrata, nem beneficiou ontem, pois foram vergonhosamente explorados por empresários depredadores, que também faziam filhos em muitas mulheres pobres como fizeram em escravas. E há os exemplos contrários, que me fazem re-tornar um ponto acima: quem vendia os escravos aos traficantes? Quem distorcia relações sociais e familiares arcaicas e hábitos de guerra arcaicos para criar escravos e vender? Essas pessoas não tiveram descendentes? 

5) A conotação entre cor da pele e situação social (branco = escravocrata ; negro = escravizado) é perigosa desde logo porque se alicerça numa categoria sem definição rigorosa possível: a de 'raça' em função da cor da pele - ou em função de qualquer outro aspeto; os seres humanos são uma espécie dentro de uma raça, não contêm raças entre si. A rentabilização dessa conotação sem fundamento fica explícita aqui: "Um negro pode discriminar e ser preconceituoso com um branco, mas não pode ser racista com ele, porque este último não tem estruturas (históricas, politicas, económicas e sociais) que o oprimam com base no seu fenótipo." Uma grande confusão de conceitos, categorias, verdades e inverdades históricas e biológicas. 


Já li, em vários autores, frases idênticas. O que elas escondem, na verdade, é um mecanismo retórico de culpabilização dos 'brancos' (ou 'europeus', ou 'ocidentais') para, sobre essa forma de legitimação, justificarem novas formas de discriminação, totalmente livre, desenfreada, em nome da 'compensação' económica, social e política. É esse mesmo discurso que está a tentar criar as tais "estruturas que o oprimam" e que o 'branco' não teria. Essas frases promovem, mesmo, 'racismo inverso', discriminação do 'branco' (afinal: do 'outro') por sua vez des-criminada. Não há que escamotear. Eu fui vítima já, mais do que uma vez, de racismo por ser 'branco', fui discriminado e insultado por ser branco, perdi empregos por isso e nunca beneficiei da escravatura em lado algum; para isso acontecer, algo existia na sociedade que permitia o acontecimento, não é? Superei facilmente as atitudes racistas quando protagonizadas por pessoas ignorantes e ressentidas, pois entendo que a ignorância sustenta atitudes injustas - ainda que não as legitime. Mas não posso deixar de rejeitar essas atitudes e, sobretudo, quando são protagonizadas por pessoas que, pela sua formação, pelos estudos que fizeram, pelas exigências intelectuais que delas se esperam, vêm reclamar de 'brancos' que eles aceitem ser discriminados por serem 'brancos', ou seja, pelo fenótipo, uma manifestação visível e detectável de uma diferença genética (no caso, a que se prende com a pigmentação, por sua vez relacionada com respostas da raça humana a ambientes marcadamente diferentes, por exemplo com maior ou menor exposição ao sol para processarem vitamina D). Não foi para isso que se combateu o racismo, foi para passarmos a dar-nos como pessoas, independentemente dos acidentes genéticos e ambientais.  


Sou, portanto, solidário com pessoas discriminadas pelo seu fenótipo (e é logo que é olhado como 'branco' ou 'negro'), pela sua religião, pela sua origem, pela sua filosofia. Nunca serei favorável à des-criminação (ou descriminalização, no termo pretensioso mais usado hoje) do racismo, nem a qualquer estratégia de legitimação da discriminação racial.





A falácia do “racismo inverso” - PÚBLICO